“A herança do deputado Clodovil Hernandes na Câmara virou objeto de acirrada disputa. Há fila de deputados disputando quem ficará com o apartamento e o gabinete que pertenciam ao parlamentar, morto semana passada”.
Acima, o início de uma matéria da Agência Globo, veiculada na página C-7 da edição de hoje do jornal A Tribuna.
Como, segundo um dito popular, caixão não tem gaveta, os vivos — tanto no sentido existencial quanto no pejorativo — querem usufruir do que jamais lhes pertenceu, seja por ausência de direito ou de criatividade.
Clodovil, porém, tem um suplente: o coronel da reserva da Polícia Militar Jairo Paes de Lira (PTC-SP). Portanto, alguém para preencher os espaços que deixou.
Se os dirigentes de partidos políticos defendem que os suplentes de suas legendas ou coligações assumam vagas deixadas pelos titulares, o desejável seria que ninguém nem sequer cogitasse disputar algo que, também por direito, terá um ocupante.
Tudo isso talvez reflita algo de que o próprio Clodovil se aproveitava ao lidar com seus clientes, enquanto estilista renomado e famoso: a vaidade, que, apesar da rima, não combina com sinceridade.
Mas há outras formas de tentar aparecer, como esta, também citada na reportagem:
“Quarta-feira (18/3), o deputado Wellington Fagundes protocolou requerimento pedindo que tanto o apartamento quanto o gabinete fossem tombados e usados como ponto de visitação”.
Parece livre, então, o caminho para o tombamento do leito hospitalar em que morreu Tancredo Neves, presidente que não assumiu o cargo por motivo de doença (1985); do Fiat Elba que levou às suspeitas de corrupção contra o ex-presidente Fernando Collor de Mello (1992); do torno mecânico onde perdeu um dedo o metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva, que quase 40 anos depois se tornaria presidente da República.
Nenhum dos três itens citados acima deve existir mais. O que resta é a lembrança dos personagens relacionados a eles. Do que nos lembraremos, futuramente, de Clodovil?
Poderá ser recordado um gesto marcante em seus programas de entrevistas na tevê. Ao pedir resposta a uma questão polêmica, Clodovil solicitava ao convidado que olhasse para “a lente da verdade” — a câmera que o focalizava.
No caso da partida do deputado-estilista, tal lente registra uma imagem desfocada e sem cor: a da preocupação de representantes do povo com o que não faz sentido nem tem importância.
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