quarta-feira, 6 de abril de 2016

Reflexão profissional

Lugar de repórter é na rua?

Passei um mês escrevendo a coluna política do jornal, cobrindo férias. A primeira vez em que tinha assumido o posto foi em 2007. O editor chefe de então me orientava, num tom entre recomendação e bronca: "Não fique na redação. Vá para a rua tomar um café com a fonte".

Nove anos depois, não há mais com quem "tomar café" (aliás, nunca tomei, para evitar a construção de uma proximidade excessiva, muito perigosa para um jornalista na hora de formar juízo. Fonte não é 'amiga': é fonte, por mais consideração que se possa ter a ela enquanto gente).

Nesse período, a maioria das fontes não morreu. Mas não está mais na rua. Era comum, ao circular pelo Centro de Santos, onde fica a Prefeitura -- e, até há alguns anos, o mesmo prédio abrigava as sessões da Câmara --, encontrar um bocado de gente, tanto em caminhadas quanto em grupos na Praça Mauá ou, mais especificamente, no famoso Café Carioca (aonde políticos graúdos vão comer pastel por conta da casa quando vêm aqui anunciar projetos que nunca se concretizam).

Neste mês, as andanças resultaram em quase nada. Saí duas vezes à rua, em horários de grande movimento, e achei duas pessoas. E que abordaram o mesmo assunto, mais de cunho histórico do que de política atual.

Hoje, as pessoas com quem se pode falar estão cada vez mais ao celular. Nem sua voz se ouve tanto: há situações em que é mais fácil mandar mensagem de texto pelo WhatsApp do que esperar que o interlocutor atenda à ligação.

Para mim, o aguardo pelos dois risquinhos azuis confirmando a leitura e, na sequência, pelo texto da resposta, gera ansiedade ainda maior do que ouvir o sinal de 'chamando' ao telefone. E o interlocutor pode, até, ver o recado, mas nem sempre responde. É a 'caixa postal' contemporânea, até que seja substituída por outra forma de contato ou de recusa em atender.

Não é de hoje, mas, à medida que a tecnologia avança e dependendo do assunto que se cobre (neste caso, política, e quando não é dia de sessão legislativa ou de solenidades), o lugar do repórter vai sendo em aparelhos que se tornaram a extensão de seu corpo. Um tipo diferente e menos humanizado de contato.

Esse é um sentimento de quem começou na profissão 'analógico' e vai, aceleradamente, se 'digitalizando': o da saudade do tempo em que a rua era mais representativa e decisiva. Hoje, é tudo organizado demais. A ponto de não sabermos, às vezes, se quem responde é a fonte ou um profissional designado por ela.

O que será (e de que jeito será) daqui a nove anos?

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Conhecidos que desconhecemos

A homenagem publicada em 'A Tribuna' nesta quinta-feira (18) para Evêncio da Quinta, o Zêgo, morto há 25 anos, mostra um homem. Seria uma conclusão muito simples se, um quarto de século depois da partida dele, não vivêssemos um tempo em que mal nos conhecemos – e, ainda menos, nos reconhecemos em qualidades que levaram à lembrança desse jornalista após uma geração.

Pouco sabemos de nós e dos outros, hoje. É uma época em que a multifunção jornalística e a necessidade de cumprir horários, com equipes muito menores que as do passado, quase que impede profissionais de ver, uns nos outros, uma espécie de referência, alguém em quem se espelhar. Claro que jornalistas assim ainda existem. Mas não nos vemos por escassez de tudo.

Paramos para conversar? Discutimos com profundidade? Temos conhecimento ou reproduzimos, superficialmente, o que lemos de passagem e compartilhamos de maneira frenética sem pensar em consequências? Pensar, aí é que está: que veículos de comunicação estamos produzindo para o público? Mas essa é pergunta para outro momento, pois o que está em questão, agora, é a gente.

Que homens e mulheres somos? Que se fez de nós? Que fizemos de nós em relação aos colegas e a nós mesmos?

Quem nos serve de espelho? Em quem queremos nos refletir? Sem pretensão de posteridade – porque dá a impressão da busca pela fama, ainda que após a vida; algo ridículo para quem estiver morto e de nada deverá saber –, que dirão de nós 25 anos depois do fim de nosso prazo de validade neste mundo? Melhor indagando: estaremos na memória de alguém em um período tão distante?

Não devo dizer que “feliz era o Zêgo” por ser lembrado. Sem jamais tê-lo visto, arrisco dizer que ele preferiria estar vivo e saudável, em vez de ter morrido de câncer com apenas 57 anos. Mas me parece que, quanto mais vivemos (ou maior é essa expectativa de vida), mais nos arrastamos num limbo cujo maior objetivo é sobreviver, meramente. E entre “conhecidos” que desconhecemos.

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

De volta ao rádio

Na segunda-feira, 16/11, voltarei ao rádio. Apresentarei o 'Entrelinhas', programa de entrevistas, debates e propostas para a Baixada Santista, na Santos FM (92,5 MHz - www.santosfm.com.br).

O primeiro entrevistado será o prefeito de Santos, Paulo Alexandre Barbosa (PSDB). Veja e curta a página para ter novidades: www.facebook.com/entrelinhasnoradio .

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

E então? Cadê?

Quando só a gente fala em um assunto, é muito provável que o problema sejamos nós. Mas como "muito provável" é diferente de "certeza", continuo pensando que, enquanto se fica discutindo o futuro do governo federal, a maioria parece se esquecer de onde mora. Caso de Santos e sua prefeitura, que:

1. Por incapacidade de dar andamento a projetos mesmo com dinheiro garantido, perdeu um financiamento de US$ 44 milhões do Banco Mundial para dar fim às enchentes da Zona Noroeste;

2. Manda repavimentar a Avenida Ana Costa, por R$ 2,3 milhões, porque o último calçamento foi feito há 14 anos. Porém, as pistas continuam boas. Desperdício de tempo e de verba Dade;

3. Gasta R$ 510 mil para trocar cordonéis (muretinhas que separam o gramado do calçamento) em todo o jardim da orla por um modelo parecido com o das muretas dos canais, "símbolo" da cidade;

4. Não dispõe de nenhuma política clara para dar fim à favelização e, apesar de proporcionalmente ter bem menos pobres que outras cidades da Baixada Santista, não consegue nem mesmo atualizar a lista dos que precisam de benefícios sociais;

5. Contrata para cargos de confiança (sem concurso e mais bem remunerados do que funcionários de carreira) um filho de ex-político, que poderá concorrer à Câmara Municipal no ano que vem, e propõe um emprego do tipo a um suplente de vereador para manter a maioria do partido na Casa e dar fim às ações judiciais referentes à disputa do cargo legislativo.

Alguém aí falou em impeachment do prefeito?

Cadê as panelas?

E os "milhões de Cunhas"?

Acho que o problema sou eu. Mas "a culpa [claro!] é da Dilma".

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Os fatos e os cálculos

É obrigação do governo dar um jeito na economia. Foi eleito também para isso. Mas daí a dizer que esta é a pior crise já vivida no país vai uma distância enorme.

Se você pensa assim, pare de achar que toda ponderação é defesa do governo. Não tenho interesse nisso, mas me sinto no dever de consciência de alertar que a oposição nada tem de melhor a oferecer, lamentavelmente. E já foi governo, ostentando os dados apresentados do próximo parágrafo em diante.

Quando o Plano Real foi instituído, em julho de 1994, tinha como parâmetro a equiparação entre real e dólar, isto é, R$ 1 = US$ 1.

Neste instante, o dólar passa dos R$ 4. Nunca chegou a tanto, mas é preciso atentar que esse é o valor nominal -- isto é, aquilo que se lê, mas não, efetivamente, o que vale em qualquer época.

Como explicar a diferença? Corrigindo valores pela inflação. Aquele R$ 1 de julho de 1994, atualizado pelo índice oficial de inflação (o IPC-A, medido pelo IBGE, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), equivale a R$ 5,07 hoje. O motivo é a inflação acumulada entre julho daquele ano e agosto passado, data do último cálculo disponível de inflação.

Em 10 de outubro de 2002, o dólar bateu R$ 4 durante o dia. Também corrigido pelo IPC-A, significa que, se 10 de outubro de 2002 fosse agora, um dólar norte-americano custaria R$ 9,08.

Também para efeito comparativo, o salário mínimo nominal (repita-se: o valor que se lê, não o que efetivamente é hoje) era de R$ 200, correspondentes a R$ 492,18 de hoje. Entretanto, o mínimo nacional atual é de R$ 788. Vale mais em dólares e em reais, de ontem e de agora -- US$ 50 em outubro de 2002 e US$ 197 a R$ 4 nominais desta terça-feira, 22 de setembro de 2015.

Hoje, a preocupação do mercado, essa entidade invisível e de mãos pesadas e bolsos geralmente cheios, é com a possibilidade de alta dos juros nos Estados Unidos (pela primeira vez numa década, salvo engano; economia é problema mundial) e com possíveis vetos presidenciais a aumentos de gastos aprovados por deputados federais e senadores.

Outro elemento é o eventual rebaixamento do grau de investimento do Brasil por mais uma agência de classificação de risco de investimentos. Neste ano, de forma inédita desde 2008, esse grau foi perdido. Mas, de 1986 até lá, o país jamais o teve. Teve seu pior nível em 1998. Mas as agências erram, inclusive sob acusação de agir propositadamente.

Seja prudente. Economize o que puder. Pechinche. Pense em planos B, C, D. Mas exagerar a dimensão da crise só faz bem a quem tem muito dinheiro para especular e viver de juros -- que, quanto maiores, pior para você, irmão de vida assalariada e de muito trabalho até, talvez, o fim dos dias.

Se quer saber de onde eu tirei tudo o que escrevi lá em cima, aí vão links para conferir:

. Correção de valores pela inflação - https://www3.bcb.gov.br/CALCIDADAO/publico/exibirFormCorrecaoValores.do?method=exibirFormCorrecaoValores&aba=1

. Evolução do salário mínimo - http://portal.mte.gov.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?fileId=FF8080814373793B0143DEAE297C1D26

. Classificação de risco do Brasil, desde 1986 - http://www.stn.fazenda.gov.br/documents/10180/265991/Hist%C3%B3rico_classifica%C3%A7%C3%A3o_de_risco.Portugues.pdf/7246be9d-7885-4d10-a3ae-1da53cc1b606

. Para entender o que é grau de investimento e como uma grande agência prejudicou a economia internacional em 2008 - http://economia.uol.com.br/financas-pessoais/guias-financeiros/entenda-o-que-e-grau-de-investimento.htm

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Você "merece"? Depende

Meritocracia = domínio ou poder pelo mérito. Palavra que volta e meia aparece quando dizem que é preciso ensinar a pescar sem antes dar o peixe. Mas muitos dos que a dizem têm "méritos" fora do alcance dos comuns, dos menos privilegiados.

Em 1989, eu cursava a quarta série em uma escola particular. Sempre havia sido o melhor aluno da classe. Ao final do primário, quiseram me passar para o terceiro ano, o que minha mãe (uma pedagoga que jamais exerceu a profissão), felizmente, recusou.

Porém, voltando a 89, meu pai tinha perdido o emprego. Eu continuava a ser o mais destacado. Pela meritocracia, seria razão para que me oferecessem continuar lá os estudos, me dando isenção ou bom desconto: bons alunos enaltecem uma escola.

Bem, meu pai, naquele momento, não dispunha do "mérito" de ter salário suficiente para bancar um colégio privado. Não importava o máximo que eu me esforçasse, a facilidade que eu tivesse em aprender. Méritos passam. Fui para a escola pública.

A partir daí, por vários méritos meus, comecei a trabalhar aos 14 anos; paguei três quartos da minha faculdade (pelo outro quarto, obrigado, mãe, que ainda hoje trabalha tanto); nunca, até hoje, me faltou trabalho. Só que meu "merecimento" é limitado.

Porque, neste mundo supostamente meritocrático, vai mais longe quem tem "amigos". Quem tem o "mérito" de nascer em berço rico. Quem tem o "mérito" de se aproximar de algum poder e sempre conseguir um encaixe, a despeito de tantos outros.

Muita gente que passou por bem mais dificuldades do que eu sofre ainda hoje. Nem falo dos favelados e miseráveis: um colega meu, inteligentíssimo, não pôde acabar o curso. Tem emprego, mas, nas horas vagas, entrega gelo num carrinho de mão.

E há tantos, tantos outros que são competentes, mestres, exímios profissionais, pessoas cujo caráter é um alívio. Só que a competência, para alguns "meritocratas", não é mérito. Às vezes, um fardo. "Ih, esse cara quer trabalhar. Não mexa ali, não".

Se você não tem padrinhos, esforce-se muito. Estude. Faça o que puder para melhorar. Você, sim, precisa trabalhar, com todos os significados laboriosos que esse verbo carrega. E, ainda assim, alguém com "mérito" pode chegar na sua frente.

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Uma dúvida

A disputa por uma vaga na Câmara de Santos expõe uma dúvida: quais a utilidade e a relevância de cargos de chefia ocupados, no governo, por pessoas indicadas pelo prefeito? É o assunto do texto que escrevi para "A Tribuna" de hoje (10):