A Morte é assim mesmo: vem e leva. Em pouco mais de um ano, 'cometeu' dois crimes contra a preservação da História de Santos e região: em 19 de julho do ano passado, foi-se o jornalista, historiador e bacharel em Direito Paulo Matos; neste domingo (21/8), o historiador e mestrando em Arqueologia Waldir Rueda.
Cada qual do seu jeito, os dois eram semelhantes na persistência. Paulo, pela conversa prolongada (daí, o apelido de Paulinho Blá-Blá-Blá). Rueda, a quem eu formalmente tratava como 'professor' -- apesar de nossa pouca diferença de idade; ele, 44 anos, e eu, 32 --, por insistir na comprovação de suas ideias.
Eu era um dos que, indiretamente, criticavam Waldir Rueda. Considerava que fosse afoito, apressado em mostar as conclusões a que chegava ao público. Enquanto alguém que gosta de História, eu tinha para mim que lhe faltaria aprofundar certas pesquisas antes de divulgar seus resultados.
Mas era obrigado a reconhecer, ainda enquanto ele era vivo, que seus possíveis defeitos não chegavam perto de uma qualidade singular dele: a de pesquisar a fundo, com paixão e coragem (visto que certos levantamentos desagradam a certas pessoas, inclusive em termos financeiros), o passado desta terra.
É uma coisa básica, mas há quem não entenda que compreender velhos acontecimentos ajuda, e muito, a perceber por que somos assim hoje; as razões pelas quais tomamos determinadas atitudes; os motivos que nos fazem reagir de um certo modo aos fatos a que assistimos, mesmo de passagem.
O santista tornou-se um povo apático por obra e (des)graça de um regime militar especialmente opressor para a Cidade, que até meados da década de 1960 não escolhia candidatos preferidos da ditadura. Santos foi tolhida em suas escolhas e impedida de se manifestar. É pela História que se entendem essas coisas, mas ela ainda não está devidamente reescrita, pois a minoria social e econômica deste Município ainda faz reinar seus conceitos mais atrasados.
As mortes de Rueda, que não resistiu a uma forte pneumonia, aliada a um câncer de pulmão (sem metástase) do qual sofria há quase um ano e o fez perder 25 quilos, e de Paulo Matos nos tornam, de agora em diante, quase órfãos da busca de fatos de antigamente que poderíamos ter conhecido.
Que não se ofendam pessoas como Sergio Willians, do Instituto Histórico e Geográfico de Santos, editor-chefe de duas edições, já, do 'Almanaque de Santos'; o colega Carlos Pimentel Mendes, editor do site Novo Milênio, que tem este jornalista como um de seus admiradores; e outros abnegados sem divulgação da mídia, cuja escolha é permanecer no anonimato antes de concluir seus estudos.
São 10h35, e o corpo de Waldir Rueda será sepultado no Cemitério do Paquetá, em Santos, em menos de meia hora. O Paquetá, aliás, era a última morada da velha elite santista e de ilustres personagens históricos que Rueda, por exemplo, estudou.
Parte das nossas memórias se vai com ele.
2 comentários:
Rafael, em absoluto não tenho por que me ofender, de vez que sempre reconheci o jeito batalhador do Waldir, são justas as homenagens a ele dedicadas. Procurei quanto pude ajudá-lo, em muitos fins de semana revisando seu livro sobre Braz Cubas, questionando passagens que precisavam de mais pesquisa, ajudando enfim para que a obra resultasse a melhor possível.
Mas, ele tinha uma visão de posse da História de que não compartilho, pois sou partidário da livre difusão das informações, como patrimônio de todos nós, e por isso me afastei. Lamento sim a perda dele, como também a de outro companheiro, Paulo Matos, que meses antes de falecer tinha me passado os originais de várias de suas obras, para que fizesse as edições eletrônicas hoje em Novo Milênio. Mas lamento principalmente por uma cidade/região que tem um inestimável patrimônio histórico (inclusive para o Brasil e até para o mundo), mas continua não dando a ele a devida atenção, deixando que se perca para sempre ou dificultando o acesso dos pesquisadores a esses materiais. A história desta região é fascinante, e muito mais seria se fosse permitido aos pesquisadores trazer à luz as partes faltantes. E dois dos que brigavam pela reconstituição dessas informações eram justamente o Waldir e o Paulo, cada um a seu modo. A História de Santos teve, sim, duas enormes perdas humanas nestes últimos meses, afora as tantas outras perdas materiais irreparáveis que continua sofrendo.
De fato, pode-se questionar o jeito afoito de Waldir Rueda, sim, mas negar que ele era um apaixonado por Santos e pela História, não. As precoces partidas dele e do colega Paulo Matos, sem dúvida, abrem uma considerável lacuna na Cidade. Muito bem lembrado, Motta.
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