segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Carnaval, é?

“Embraer confirma mais de 4 mil demissões. Sindicato ameaça fazer protestos contra a medida. Mais de 350 mil perderam o emprego desde o começo do ano. Mas é Carnaval...”


Daquele ponto em diante, o Jornal Hoje da última sexta-feira (20/2), da Rede Globo, destacou os preparativos para os desfiles oficiais de escolas de samba e a saída de blocos carnavalescos País afora.


Porém, quando apareceu, na escalada de manchetes do telejornal, a frase iniciada por aquela conjunção adversativa (refiro-me ao “mas”; lembre-se das aulas de Português do que se chama, hoje, de Ensino Médio):


— Mas é Carnaval...


... eu me lembrei daquela expressão tão usada em situações de desemprego, acidentes de trânsito, reprovação em vestibulares, velórios. “A vida continua. É preciso seguir em frente”.


Isso me fez lembrar de um comentário escrito pelo experiente repórter Manuel Alves Fernandes, de A Tribuna. Reli o texto dia desses, quando o colega Flávio Leal e eu preparávamos uma reportagem sobre as áreas sob risco de incêndios, enchentes e deslizamentos de terra na Baixada Santista.


O artigo do Maneco relacionava dois acontecimentos: o incêndio na Vila Alemoa, em Santos, que deixou 166 desabrigados, e ocorrência semelhante na extinta Vila Socó, em Cubatão, na qual o fogo ceifou, oficialmente, 93 vidas.


Amanhã, 24 de fevereiro, essa tragédia completará 25 anos. Era uma sexta-feira, quando começaria o fim de semana do Carnaval. Das cinzas antecipadas, ressurgiram moradores que, diante do horror, diziam:


— Não tem problema. Vamos começar tudo de novo.


Recomeçaram. Mas, diante de uma maioria indiferente à sua causa, o fizeram sem apoio, sem estrutura, sem lugar adequado. Foram para locais perigosos de se viver. E continuaram no pesadelo das chamas, da morte, do desabrigo e, dali, começar de novo.


Uma geração depois, seguimos indiferentes, e nossos governantes nos repetem.


Enquanto não sentirmos as dores dos outros e não agirmos como pudermos, com a palavra ou o grito, será, sim, Carnaval. Mas com uma folia sem graça.

4 comentários:

Andrea Rifer disse...

Pois é Rafa, as vezes me pergunto que sentido tem essa nossa profissão. Não que eu tenha a pretensão de mudar o mundo, mas sempre desejei como jornalista não repetir "o mais do mesmo". Infelizmente, essa tarefa não é tão simples e não depende única e exclusivamente de nossos desejos. E assim vamos, dia após dia, escrevendo, reescrevendo, preenchendo páginas que no começo do dia estavam em branco. Um dia é Natal, depois Ano Novo, a seguir Carnaval. E assim vamos, muitas vezes indiferentes as dores do mundo e desperdiçando uma centena de palavras.
Valeu pelo texto. Me fez refletir! Sim, eu sou leitora do seu blog.

BcGuedes disse...

Que "mas" foi esse??? Lamentável. Essa abordagem é o retrato do que a grande mídia se transformou nesse país. Em época de inversão completa de valores, a imprensa - a serviço do poder - também tem invertidos os seus propósitos originais. Serve, agora, para a manutenção da passividade e da ignorância, e não para abrir os olhos da sociedade. Às vezes, me dá vergonha.
Parabéns pelo blog, Rafa.
Abraço.

Anônimo disse...

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Anônimo disse...

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