sexta-feira, 24 de abril de 2009

Quem viver, verá?

Há dias (semanas, até) de vazio na profissão. Nem toda pauta é palpitante: ocorrem casos nos quais o maior desafio é encontrar dados que a justifiquem e, assim, preparar algo que possa ser interessante ao leitor (ainda assim, nem sempre será).


Nos últimos quatro dias, porém, e apesar de ter sido por telefone, conversei com Ben Abraham e Argeu Anacleto da Silva. Os dois têm em comum o fato de serem vítimas de barbaridades históricas.


Abraham, um polonês naturalizado brasileiro de 84 anos que mora em São Paulo e ocupa a vice-presidência da Associação Mundial dos Sobreviventes do Nazismo, resistiu ao Holocausto e às suas consequências. Sempre que pode, relata o que viveu. Escreveu 16 livros sobre o assunto.


Silva, ex-portuário residente em Guarujá, fará 80 anos em julho. Ontem, ao que me consta, falou pela primeira vez a um jornalista sobre um fato que completa, hoje, quatro décadas e meia: a atracação do navio Raul Soares (foto), perto da Ilha Barnabé, no porto de Santos. Um presídio flutuante para os que, como ele, contestavam o golpe militar de 1964.


Não vi sua expressão, seus olhos — daí o porquê da palavra “entrevista” —, mas senti, em suas vozes, um resto de amargura, um tanto de indignação e a mesma coisa ou mais de alívio. E os dois dão “graças a Deus” por ainda viver e poder tocar nesses assuntos.


Eles, no entanto e cada qual em um tempo, foram perseguidos por não concordar com a imposição de ditaduras do pensamento único. No caso de Abraham, a da “superioridade da raça ariana”. No de Silva, o dos militares que combatiam a “ameaça comunista”.


E jamais se restabelecerão completamente, como disse Argeu Anacleto da Silva, a respeito do depoimento que deu sobre os 183 dias em que o Raul Soares ficou atracado no porto e das restrições da liberdade que houve depois:


“Não leve isso (meu pronunciamento) como agravo, nem rebeldia. Receba isso como se fosse um bálsamo da ferida que me ataca há muitos anos e que não tem cura. Só se a sociedade ficar assim, como se diz, melhorada — o que eu não tô vendo”.


Se as novas formas de pensamento único que aparecem por aí persistirem, ele não verá.

2 comentários:

Lídia Maria de Melo disse...

Oi, Rafael. A sua reportagem realmente ficou boa. Seu Argeu é um personagem da História de Santos e, consequentemente, do Brasil. Ele também fez parte da vida de meu pai, como amigo, e consequentemente da vida do restante de minha família e da minha. Só tenho uma ressalva: o nome dele, que na reportagem saiu correto, aqui está errado. O certo é Argeu Anacleto (não, Clementino) da Silva.
Um abraço e parabéns pelo blog.

Rafael Motta disse...

Corrigido, Lídia! Mas, de onde tirei o "Clementino"?
Acho que tenho a gravação da entrevista com ele. Vou procurar a fita. Se a encontrar e a qualidade do som for boa, deverei postar trechos dela aqui no blog. Obrigado pela visita.