terça-feira, 2 de junho de 2009

Terceiro mandato não é o único risco

Numa época em que deputados federais admitem abertamente se lixar para a opinião pública, o jornal Folha de S. Paulo deste domingo (31/5) estampa, em manchete: “3º mandato de Lula divide o país”. Na verdade, opõe grupos entre as 5.129 pessoas ouvidas pelo Datafolha entre os dias 26 e 28 últimos, na semana em que o deputado federal Jackson Barreto (PMDB-SE) apresentou proposta de emenda à Constituição (PEC) para dar a possibilidade de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha mandato estendido, pelo voto, por mais quatro anos.

A hipótese do terceiro mandato consecutivo beneficiaria também governadores e prefeitos que já haviam sido reeleitos e, por ora, não têm a chance de permanecer no comando de estados e municípios até 2016. Talvez por isso a PEC tenha sido subscrita, inicialmente, até por deputados do PSDB e do DEM. Mas, diante da retirada de assinaturas, o deputado promete iniciar nova coleta de autógrafos nesta semana, para que a proposta seja analisada em plenário e valha a partir das eleições do próximo ano.

Trata-se de uma aberração à ordem democrática que se pretende ter no Brasil (ainda não há por completo, pois o único voto que se permite ao eleitor é o de indicar um candidato; segue impossível retirar os maus eleitos no meio do mandato, como ocorre em nações mais desenvolvidas). Tal precedente foi aberto em 1997, quando o Congresso abriu caminho para que o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, e outros ocupantes de cargos no Poder Executivo — estes, a reboque — pudessem tentar o segundo mandato seguido.

Relacionando as possibilidades de reeleição 12 anos atrás e as suscitadas agora, registre-se que Lula diz rechaçar a ideia do terceiro mandato. Mas, entre o que se fala e o que se pode vir a fazer, é bom lembrar a postura do falecido governador paulista Mário Covas (1930-2001). Na ocasião da emenda que beneficiou seu correligionário do Planalto, ele jurava a quem quisesse ouvir que não concorreria novamente, de forma consecutiva, ao Palácio dos Bandeirantes. Fez o contrário: disputou as eleições de 1998 e permaneceu no cargo.

Efeito retardado e duradouro

Agora, mais de uma década após a emenda da reeleição vigente até hoje, o Governo lança a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, à sucessão de Lula. A pré-candidata adoeceu, o que causou a exumação da PEC do terceiro mandato.

Ainda assim, Dilma deve ter lido que parte do eleitorado ouvido pelo Datafolha se lixou para seus problemas de saúde. Tanto que a diferença de intenções de voto entre o presidenciável tucano José Serra e ela caiu de 30 para 22 pontos percentuais, e a ministra tomou do deputado federal Ciro Gomes (PSB-CE) o segundo lugar de uma corrida eleitoral cujos participantes ainda estão indefinidos.

Duas breves análises:

1. Não tivesse Fernando Henrique feito um segundo governo que o levou ao desgaste de sua imagem perante o eleitorado e, antes disso, não tivessem sido seus aliados tão gananciosos a ponto de mudar a Constituição, possivelmente os atuais parlamentares não estariam perdendo tanto tempo com um assunto com o qual se beneficiaria a classe política;

2. É de se supor que a lembrança do governo FHC tenha provocado uma guinada na “opinião pública” sondada, no mesmo levantamento, pelo Datafolha. O apoio à re-reeleição passou de 31% para 47% dos pesquisados num espaço de 18 meses. Os que rejeitavam a proposta eram 65% e, agora, são 49%.

Perigo: duas outras PECs

Mas não é somente por causa da hipótese de terceiro mandato para cargos executivos que os nobres congressistas querem mudar a legislação. Ainda tramitam, na Câmara e no Senado, duas PECs voltadas a ampliar o número de vereadores nas câmaras municipais. Planeja-se que a alteração seja imediata. Ou seja, 7.343 candidatos que não foram eleitos, reeleitos ou estão na suplência poderão ser alçados à vereança sem terem recebido votos suficientes nas eleições de outubro passado.

A grande Imprensa parece não ter dado o devido destaque ao fato de que, na última semana, candidatos derrotados percorreram o Congresso atrás de apoio à aprovação das propostas. Uma delas, a mais interessante para eles e que está sob análise da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara, prevê o aumento na quantidade de cadeiras. A outra, no Senado, deverá ser votada em última discussão nesta semana e fixa limites de gastos menores (mas não muito) para as câmaras municipais, a vigorarem a partir de 2010.

Os meios de comunicação, que na década de 1980 lutaram pela retomada das eleições diretas para a Presidência, não têm o direito de deixar passar despercebido este gravíssimo ataque ao instrumento do voto. Um ataque que vem acompanhado de uma mentira: a de que o aumento do número de cadeiras não provocaria aumento de despesas nas câmaras de vereadores. Mesmo com tetos mais baixos, não se pode imaginar que um legislativo gaste o mesmo tendo de bancar despesas com novos edis, seus assessores, cópias reprográficas, energia elétrica, água, telefone, internet, viagens, audiências públicas, participação em comissões...

Não se deve esperar de dirigentes de partidos políticos que se rebelem. Apesar de terem se organizado para lançar determinado número de concorrentes em 2008, de forma proporcional ao total de vagas nas câmaras, poderão ser beneficiados posteriormente. E as eleições de 2010 estão aí: vereadores novos significariam mais cabos eleitorais, e de graça, para os parlamentares federais que concorressem a novos mandatos no próximo ano.

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