segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Sou santista. E daí?

O santista é um reacionário medíocre. E não sabe o que quer.

Generalizo o que estou dizendo, do mesmo modo que se faz com os políticos: há os que prestam, mas a má conduta de boa parcela deles desfaz qualquer boa impressão que se possa ter da classe.

Felizmente, o atraso mental de uma parte dos santistas — em especial, os abastados ou apegados aos postos que ocupam e para os quais ser tradicional e provinciano consiste numa profissão de fé — está se amenizando. Ao menos, dizem assim historiadores e estudiosos do comportamento humano, não sem advertir que falta avançar (muito).

A historiadora Wilma Therezinha Fernandes de Andrade, pessoa respeitável, que jamais usou a História para tentar se transformar num fenômeno midiático, cunhou um termo curioso para descrever o comportamento deste povo: a “santistidade”.

Ouso supor que santistidade equivale a adjetivos como a genialidade de Bartolomeu de Gusmão, o Padre Voador. A inteligência e o conselho de José Bonifácio de Andrada e Silva, Patriarca da Independência. O poder agregador de Esmeraldo Tarqüínio Filho, socialista negro, vítima dos poderosos pós-golpe de 1964.

Do que essa gente atrasada sofre é de “santistismo”. “Ismo” é um sufixo que serve para designar (por exemplo, não apenas) doenças. Como brincadeira — cada vez mais séria, dada a precariedade de seu exercício —, dou uma amostra: “jornalismo”.

Por ser reacionário, o santista tradicional não aceita mendigos na orla, mas se esquiva de propor como evitar que esmolem. Cobra de seus conterrâneos que tenham sucesso aonde forem, mas, se tiverem ido, não deixam que voltem para casa com êxito na bagagem. Faz careta a boas ideias, pois tudo é bom (para ele, claro) do jeito que está.

Por ser medíocre, o santista tradicional se esforça para não dividir com os menos favorecidos desta cidade a possibilidade de permanecer nela; não cobra dos governantes que façam o que precisam porque estão em seu patamar social e, nessa condição à qual só eles conseguiram chegar, podem usufruir de cargos em qualquer administração.

Por não saber o que quer, o santista tradicional vive de ilusão. Não assimilou a expressão de Saint-Exupéry, no livro ‘O Pequeno Príncipe’, segundo a qual “O essencial é invisível aos olhos”. Por isso, se alimenta dos frutos ainda invisíveis do pré-sal (que não chegarão amanhã) e nem pensa no risco de que eventuais desempregados do pré-sal engrossem a pobreza: afinal, estes estarão a perder de vista.

Lamento. Sou santista, nascido no extinto Hospital Cid Perez, ao lado do ex-Hipermercado Eldorado, no Boqueirão. Acho-me razoavelmente bem sucedido: sempre tive emprego por aqui. Talvez os tradicionais gostassem de mim. Mas não faço questão.

* * * * * * * * * *

Ainda sobre coisas medíocres, eis o valor reservado para o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT, onde se espera que ande muita gente pobre) no orçamento do Estado para 2010: R$ 1 mil.

O governador José Serra (PSDB) esteve em Santos no último domingo (20/12). Indagado a respeito, considerou “uma grande bobagem” avaliar o número negativamente. “O VLT é uma parceria público-privada” que “não tem nada a ver com o orçamento”.

Em junho de 2007, o secretário estadual de Transportes Metropolitanos, José Luiz Portella, expôs o projeto do VLT na sede da Agência Metropolitana (Agem), em Santos.

Eu estava lá. Portella declarou que, do valor estimado para as obras na época (R$ 640 milhões), R$ 140 milhões caberiam ao Estado; R$ 140 milhões, à vencedora da licitação, que se tornaria concessionária do VLT; os outros R$ 280 milhões ficariam por conta dos municípios.

Serra, portanto, ignorou a parte pública da parceria. Que poderá acabar na privada.

10 comentários:

Flávia Saad disse...

Mais um ótimo texto, Rafa.
Infelizmente, no nosso cotidiano, a percepção de que Santos é o umbigo do mundo vem à tona constantemente.
O importante é não nos deixar cegar pelo amor à Cidade.
Bjs

Andrea Rifer disse...

Rafa
Sou santista (muita vezes até bairrista), mas concordo com tudo o que vc falou.
O santista que é assim, é pq realmente se considera dono do reino. Tudo o que está ao redor dele (santista) e dele (reino) tem menos valor. Aliás, para esse santista, as colônias servem justamente para absorver a parte da população que não interessa manter em território próprio.
O mais incrível é ver que esse santista esquece a participação da cidade na história do Brasil (e sua resistência, quando foi exigida). Mais: esse santista esquece até o lema da cidade (terra da caridade e da liberdade).
Para esse santista o importante mesmo é "limpar" as vias e avenidas do município, tirando do alcance dos seus olhos os moradores de rua. Muito provavelmente esse santista é o mesmo que trata o assunto sobre os cruzeiros apitarem ou não apitarem quando deixam o Porto de Santos, como a coisa mais importante de suas vidas.
Aliás, para esse santista, o importante mesmo é manter a perfeição (de acordo com o critério dele, é claro) de seu mundinho.

Anônimo disse...

Também tem o fato do santista enxergar São Paulo como a se fosse a nossa Jerusalém, tudo que tem lá é bem melhor e esquece de tentar melhorar a própria cidade.

Nando disse...

Fora da minha cidade, pobretada maldita e feia! Tomara que vocês não consigam mais pagar seus IPTUs e se mudem para Praia Grande! Quando eu for prefeito vou distribuir espadas Jedi para os guardas municipais cortarem a cabeça dos mendigos e a de vocês...

Unknown disse...

É, meu caro, e o principal artífice dessa estupidez coletiva, ou provincianismo, como queiram, atende na Rua João Pessoa, 129, no Centro. Porta-voz (ainda tem hífen?) do ufanismo, amigo cordial de quem está no poder (menos da Telma e do Capistrano), parceiro das elites babacas e arauto da caretice cultural, esse senhor de cento e tantos anos amordaça inteligências, turva a visão, estreita horizontes e pragmatiza a sociedade. Que saudades de Plínio Marcos!!!!!!

Andrea Rifer disse...

Que saudade de vc, Nilson!

Luiz Otero disse...

Nã há dúvidas quanto a tal santistidade. A medicridade impera há pelo menos três décadas. O que precisamos é de um choque de criatividade no ato da escolha de nossos governantes. Senão, só nos restará ficar na praça dando milho aos pombos (trecho de canção de Zé Geraldo)

Jonathan disse...

Concordo totalmente, Rafael. Enquanto dizem "não" a ideias para melhorar a cidade, locais como a ZNo permanecem no status quo. E esses santistas vão se alimentando de promessas que nunca saem do papel e a cada ano se tornam mais caras... VLT, túnel ZNo-Marapé, túnel Santos-Guarujá... (quantas matérias já fizemos sobre esses assuntos?). Envelhecem numa cidade que não muda, aguardando um dia que não chega

Ibrahim Tauil disse...

Eu tenho um irmão alcóolico que só não se encontra em situação de rua porque recebe o meu apoio. O álcool, segundo os especialistas, numa escala de malefícios à sociedade ocupa a quinta colocação. É pior do que a maconha e o crack. Além dos problemas à saúde do dependente e da família, causa seríssimos problemas comportamentais e sociais. Dentre muitos, o cidadão perde a autoestima e a capacidade de tomar atitudes. A não ser para mais um copo. Sem o apoio da família, a rua passa a ser a sua morada.
Enquanto isso os medíocres vão autorizando barracas e arenas na praia com a propaganda de cerveja. Fazendo vista grossa para a ocupaçào das calçadas por botequins. Par a venda de bebidas alcóolicas nos postos de combustível.E "alegrando o Centro" basicamente com cachaça e cerveja.

Carriço disse...

Rafael,
Temos algo em comum: o local em que nasci já não existe mais. Faz anos a maternidade Anglo-Americana foi substituída por outra dessas torres que empobrecem nossa paisagem.
Mas escrevo-lhe pra adendar algo à história do VLT. Colhi um comentário de funcionário da Agem, de que há algo de muito grave nesse projeto. A conferir.
Abraço,
Carriço