segunda-feira, 22 de março de 2010

Coisas que não me contaram na faculdade

“Ah, se eu pudesse dominar a Natureza...”

(Everton Plácido, contínuo do jornal

'A Tribuna', de Santos, num devaneio)


Alçado à função de especialista em generalidades, graças ao enxugamento das redações e ao desinteresse de parte dos próprios profissionais, o máximo que a maioria dos jornalistas consegue dominar é a natureza de sua atividade. Mas nem os que alcançam esse estágio podem ser considerados bons profissionais se não compreendem a principal razão de ser de quase toda empresa jornalística: os interesses dela, às vezes bem diferentes dos interesses do consumidor de informação.


Entender o que o dono do veículo quer não significa submeter-se aos desejos dele. Ao menos, tão depressa e sem resistência, o que vai da coragem e da consciência de cada um. É importante ao jornalista saber onde pisa (a redação na qual trabalha e as prioridades de seus proprietários) para poder driblar o entendimento entre a empresa jornalística e governos ou com anunciantes.


Aliás, estes dois últimos vêm tendo o mesmo papel. Numa paráfrase de um slogan do Governo Juscelino Kubitschek (1956-1961), “Governar é abrir estradas”, hoje em dia administrar é fazer propaganda. Pela qual o leitor, ouvinte, telespectador ou internauta paga duas vezes, mesmo sem acreditar nela: no exemplar ou no serviço por assinatura que compra e nos impostos com os quais financia os gastos públicos.


A censura econômica tem o mesmo princípio daquela que era praticada pelos cidadãos que ocupavam os cantos das redações, nas décadas de 1960 e 1970, para arrebentar reportagens a golpes de caneta. Trata-se de impedir a veiculação daquilo que não interessa ao anunciante e, por consequência, ao meio de comunicação.


O poder do dinheiro e da oferta de um artificial prestígio ao dono de mídia, entretanto, é ainda mais nefasto. A censura praticada na ditadura militar tinha fim ideológico — mas nem por isso podia ser justificada —, pois se considerava que a divulgação de notícias negativas poderia desestabilizar um governo cuja missão declarada era evitar o domínio comunista no Brasil.


Um parêntese: não se pode reduzir a atividade dos censores à cautela com ameaças vermelhas. Havia homens, como o falecido coronel do Exército Erasmo Dias (1924-2010), que tinham esse temor, defendiam o regime com violência e contra os quais nunca pesaram denúncias de corrupção. Mas também tinha viés econômico o golpe dado por homens de farda, apoiado pela elite brasileira na defesa de oligopólios e latifúndios. Ainda está por aí essa “faixa minoritária da sociedade, numericamente pouco expressiva, mas econômica e socialmente poderosa”, como a definiu Esmeraldo Tarqüínio, eleito prefeito de Santos em 1968. No ano seguinte, ele foi impedido de tomar posse e teve seus direitos políticos cassados por uma década.


De volta aos impedimentos econômicos que atrapalham o trabalho da reportagem e de editores, se encaixa aqui uma frase do jornalista Cláudio Abramo (1923-1987), chefe de grandes jornais e que manteve estreito relacionamento com seus donos: “O jornalismo é o exercício diário da inteligência e a prática cotidiana do caráter”.


No banco de uma faculdade, soa como declaração poética sobre um mundo a desbravar. Depois de alguns anos na profissão, serve como chama e lembrete de como enfrentar esse mundo, impossível de dominar, mas que dá para aborrecer um pouco.


Para mim, Abramo diz o seguinte: “Nem sempre posso escancarar certas notícias no primeiro parágrafo, mas posso inseri-las, aos poucos, ao longo do texto. Não sairá como eu gostaria, mas informarei o necessário. Terei cumprido meu dever de hoje. O amanhã à empresa pertence, mas eu a conheço, o que ajuda tanto a mim quanto a quem devo servir — a sociedade, incluída a parcela que nem se apercebe disso”.


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