sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Um povo em torno de um mito

(Texto escrito por volta das 13 horas de quinta-feira, 4/11, no saguão de embarque do Aeroporto de Juazeiro do Norte, Ceará, à espera da chegada do voo 1811 da Gol com destino a Recife, Pernambuco. Ali, tomaria o avião rumo ao Aeroporto de Guarulhos, São Paulo)

Estátua na Praça Padre Cícero
Cícero Romão Batista. Morreu há 76 anos, mas quase tudo gira ao seu redor – e por causa dele – em Juazeiro do Norte, ao Sul do Ceará. Sim, ele, Padre Cícero (a palavra “padre” vai em maiúscula porque o título se incorporou à pessoa), nome de praça, rua, memorial, pousada. É como se fosse o Divino em forma de gente. Uma lenda.

Placa na base de imagem do
religioso na Capela do Socorro
Não há como ignorar que se está em Juazeiro. Nossa Senhora das Dores é a padroeira da cidade e denomina a igreja matriz, erguida em 1875. Mas a frequência de fiéis, ou nem tanto, é maior à Capela do Socorro, que fica mais ou menos a uma quadra da Praça (adivinhe) Padre Cícero e se situa ao lado do cemitério onde estão seus restos mortais.

Mesmo com medo de ofender a religiosidade dessas pessoas de fé, fica a impressão de que Deus é relegado a segundo plano diante da figura onipresente de “meu Padim Ciço”, como se referiu a ele uma vendedora de chaveiros ao me mostrar um exemplar com a imagem do padre, político e protetor, falecido antes de ela nascer.

Nem telefonia escapa
Distante da área central de Juazeiro, no alto de um morro, talvez o ponto mais elevado do município, avista-se uma estátua branca, que reproduz Padre Cícero. Diante da Capela do Socorro, com destaque, uma imagem posta numa redoma, sobre um pedestal em que há uma placa indicando quando morreu e onde foram postos seus despojos. Na Praça Padre Cícero, claro, uma estátua do homem, com cor de bronze. Nas barracas de artesanato, santinhos, relógios, chaveiros, canetas, bolsas, camisetas, é Padre Cícero de todas as formas, para todos os gostos. Há orelhões (telefones públicos) que, na verdade, são ‘chapelões’ – seu formato reproduz o chapéu usado pelo religioso.

A Rua Padre Cícero vai até 
a Praça... Padre Cícero


Vi tudo isso em uma hora e meia de passeio por Juazeiro, mais ou menos das 7 horas às 8h30; sem Horário de Verão, o sol aparece antes do que se vê nas regiões onde os relógios estão adiantados. E o nordestino, de modo geral, acorda cedo. Daí porque, já nos primeiros minutos de minha caminhada, reparei em tanta gente na rua.

Memorial fica diante da
Capela do Socorro


Mas, para terminar, outra coisa que percebi foi a presença de pessoas mais velhas nos instantes de louvor a Padre Cícero. Pode ter sido só impressão, mas é como ocorre na passagem de uma geração a outra. À medida que o tempo avança, lendas se perdem. Têm menos seguidores. Afinal, ele morreu em 1934, aos 90 anos, e restam cada vez menos pessoas que o viram vivo e em atividade. Nem todo jovem quer saber do antigo.

Acredito que as romarias deverão ficar mais reduzidas pouco a pouco. Em Santos, é assim com a padroeira, Nossa Senhora do Monte Serrat. Os pensadores de Juazeiro do Norte têm de estudar alternativas ao turismo religioso, movido a Padre Cícero. Mesmo que leve tempo, não custa estudar saídas com antecedência. A Baixada Santista que o diga – e, para ilustrar esse “que o diga”, diga você, com o exemplo que quiser.

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