domingo, 31 de julho de 2011

Reflexões do fim das férias

Antigamente, raros eram os jornalistas que assinavam suas reportagens. Tal decisão costumava partir dos editores, após avaliar a relevância do tema e a competência com que era desenvolvido. Em geral, não havia oposição dos repórteres, pois eles consideravam que, para o leitor, mais importante do que o redator era o fato.

Com o tempo, os repórteres passaram a ter liberdade para assinar seus textos. Foi bom, até, para os jornais: a assinatura indicava o responsável pela matéria. E, para os jornalistas responsáveis de fato, não haveria, afinal, razão para não assumir o que se fez. No caso dos melhores profissionais, a autoria do texto representava uma grife: “Se Fulano redigiu, é confíável”.

Mesmo com o chamariz da assinatura, no caso dos repórteres mais reverenciados, ainda assim a notícia era fundamental. Agora, não: o desejo de aparecer, de ter audiência, de ser reconhecido não só no ambiente de trabalho e em seu campo profissional transformou parte dos jornalistas em aspirantes a celebridades no mundo efêmero da sociedade midiática.

Dia destes, a jornalista Ana Paula Padrão (ex-Globo, hoje Record) deu entrevista à rádio Jovem Pan. Fez uma ressalva sobre os estudantes de Comunicação de sua época, os anos 1980, entre os quais, segundo ela, havia um certo “romantismo” quanto à missão de informar, a “estar lá para escrever a História”. Hoje, diz, o que se quer é “trabalhar em televisão”, na ânsia de alcançar fama.

A falsa equiparação entre artistas e jornalistas tem derrubado o conceito que a profissão tem entre os próprios comunicadores (de jornal, rádio, televisão, revista, internet, assessoria). A busca pela satisfação do ego leva ao risco da distorção dos fatos em favor de um suposto benefício a quem chega ao local do ocorrido e, antes de avaliar o que houve, ser superficial – para ser o primeiro.

Está cada vez mais difícil conseguir furos de reportagem, dadas a diversidade e a instantaneidade de veículos de comunicação. Isso levou a um relativo comodismo dos repórteres, que, espremidos pela escassez de espaço ou de tempo, limitam-se a apurar (?) o básico para preencher o espaço e o tempo e abandonam o aprofundamento e a continuidade dos assuntos que acompanham (?).

Outro elemento que estraga a prática do Jornalismo é o crescente despreparo intelectual dos profissionais, sobretudo dos que chegam. Isso é flagrante. Temos o conhecimento universal a dois cliques de distância; antes, estava em pesadas e amareladas enciclopédias. Mas, na Era do Ácaro, não havia copiar-colar. E copiar exigia um mínimo de leitura, nem que fosse para não errar a cópia.

Verdade: quem copiava errado era tachado de burro. Agora, vejo propaganda de internet na tevê e ouço um garoto-propaganda dizendo assim: “Olha esse 8,5 no trabalho de escola. Valeu, Speedy!”. Quer dizer: o moleque tem toda a sabedoria mundial na tela e não é suficientemente competente nem esforçado para fazer a lição por completo. E fica em êxtase com isso.

Daí porque o norueguês assassino foi retratado, inicialmente, como um terrorista ligado a organizações tidas como muçulmanas. Nada disso: era um extremista de direita, radical, de ideias nazistas, para quem a miscigenação brasileira é uma anomalia. Desinformação alimenta preconceitos e, nesse ponto, um jornalista desinformado se equipara a um matador em série.

Os avanços tecnológicos na tarefa de informar têm sido úteis para expor as deficiências do Jornalismo atual. Mas não há internet que resolva a ausência de esforço pessoal para ser bom, correto, preciso, ético, diferenciado. Enquanto 'vencer na vida' for sinônimo de pôr o rosto na tela para os outros verem, nós jornalistas estaremos derrotados.

Não posso me esquecer de uma coisa: as faculdades, mesmo as tradicionais, contribuem com isso. O blog do curso de Jornalismo da faculdade onde estudei tem uma “Galeria de ex-alunos (…), nosso maior orgulho”. A esmagadora maioria está na TV; uma participou do BBB, algo nada jornalístico. Dessa relação, os que conheço são bons. Mas só os que trabalham na televisão?

4 comentários:

Anônimo disse...

Caro Rafael, nada acontece por acaso. Hoje, os salários milionários da TV são pagos justamente para quem faz espetáculo. E todo mundo, infelizmente, busca isso. Hoje o repórter é mais importante que a notícia. Veja os telejornais que passam boa parte promovendo um bate-papo entre âncoras e repórteres sobre se está chovendo ou faz sol. Aquele repórter anônimo, que fazia grandes matérias, é coisa do passado. Não adianta nem reclamar. Vire um deles ou mude de profissão. Existe felicidade fora desta profissão cada vez mais superficial e demagógica!

Leandro Olimpio disse...

Rafael, seu texto é precioso. Muito bom. Mas devo confessar que apenas tive o estímulo de fazer este comentário pelo impacto do último parágrafo.

Também estudei na UniSAntos - me formei em jornalismo em 2008 - e a "Galeria de ex-alunos" não passou impune pelos meus olhos. Ali, estão alguns alunos que não se transformaram em exemplo de jornalistas. Pelo contrário, apenas pseudo-celebridades. Há casos, inclusive, de ex-alunos que ficaram famosos nos corredores da faculdade por plagiar de maneira quase crônica textos alheios.

Na região, a inserção de profissionais dessa estirpe nos poucos meios de comunicação disponíveis é assustadora. Realmente, não entendo. Repórteres como Renato Santana, por exemplo, não mereceram o mesmo destaque na tal galeria. E, pra falar a verdade, seria pouco provável que estivessem dispostos a receber "homenagens" de uma instituição que durante o curso foi extremamente opressora, "valorizando" apenas aqueles que rezavam a cartilha da faculdade.

Hoje, trabalho como assessor de imprensa na área sindical. Uma área que me permite desenvolver habilidades e compromissos que evaporaram com o tempo, como você mesmo cita.

Com a atual estrutura das redações, é cada vez mais difícil produzir matérias aprofundadas. Na minha área, com o acúmulo adquirido e um repertório extenso, sei em que terreno estou pisando.

A velha ideia de que jornalista "conhece de tudo" está se tornando cada vez mais uma piada de mau gosto.

Que Gay Talese e companhia mostrem o caminho para as próximas gerações e, principalmente, para editores de periódicos diários como você.

Um abraço,
Leandro Olimpio

Rafael Motta disse...

Nando: revisando o blog, apaguei teu comentário mais recente por engano, no qual você dizia que os jornalistas seremos dispensáveis porque as pessoas precisam de bons mediadores para a avalanche de notícias. Era para eu ter eliminado um comentário que outro leitor tinha removido por conta própria, mas que constava da lista. Desculpe pela minha burrice...

Anônimo disse...

Rafael, excelente abordagem de um tema que incomoda porque a cara da notícia teria de ser a notícia em si.

Num jornal em que passei a atuar junto à assinatura colocam uma cara do jornalista em tamanho diminuto.

Quando falaram que teria de tirar a tal foto fiquei um pouco constrangido. Afinal, que cara fazer para a notícia. Aliás, para toda notícia do dia a dia. Estranhamente, fui tentar fazer uma cara de nada. Fiquei mais carrancudo do que alegre, porque este mundo tem muito mais tristeza do que alegria. Mas até aí tudo bem. Está uma cara de quase nada.

O curioso, ou não, é que outros colegas colocam um sorriso na cara, que é sempre a mesma, seja lá qual a notícia. Pode ter até morte no meio que a cara tá lá, sorridente, com olhos alegres.

É a tal ditadura da imagem mesmo no impresso. Se tiver que fazer uma cara, que seja simpática, porque o jornalismo há tempos não está para mostrar o que está errado e sensibilizar o leitor, ajudá-lo a tomar uma decisão, levá-lo á reflexão.
ordem (quase geral) é entreter, mesmo que o assunto seja sério.

Um grande abraço do seu amigo.