domingo, 4 de agosto de 2013

Mas será possível? É outro mundo (um caiçara no interior da Paraíba)


Sítio Serra do Arruda, em Pocinhos, PB. Foto feita às 6h50 de 19 de julho último


Cidade pequena. Terras extensas. Riso sincero. Visão a distância.

Nem tudo era novidade. Tinha ido para lá faz cinco anos, mas fiquei menos de uma semana. Agora, foram 13 dias com veículos passando quase de hora em hora na porta de casa e sem informática por perto – a maior das maravilhas num mundo de pessoas ligadas ilusoriamente umas às outras.

Pois não há tecnologia que imite a alegria autêntica de trabalhadores que, como recompensa por debulhar feijão, ganham quilos de grãos soltos na hora e doses generosas e risonhas de cachaça; nem tão calorosa quanto o disparo de fogos de artifício pelo retorno definitivo, de São Paulo, de um irmão distante.

Isso é Pocinhos, na Paraíba, que tem 4% da população da minha Santos (SP) e mais que o dobro do território dela. São 16 mil habitantes em zonas rurais e urbanas espalhadas por 629 km² de agreste nordestino. Não é seco como o sertão, mas está longe da umidade do litoral.

Diferentemente da outra vez em que estive na terra natal de minha mulher, vi chuva. Um alento para os tantos que precisam irrigar plantações e reabastecer cisternas. Ou encher tonéis de água na sede da companhia de abastecimento local, a Cagepa. O serviço é de graça, mas todos devem levar seus potes – em carroças puxadas a burro, bagageiros de motos ou carrinhos de mão.

As precipitações são um complemento à água sugada de um açude, o do Engenho Velho (foto abaixo), por bombas acopladas a caminhões-pipa que vão e vem o dia inteiro. A chuva tranquiliza até mesmo quem já tem água encanada, porque a empresa só libera o fornecimento à noite, por poucas horas.

É o que ocorre no Sítio Serra do Arruda, onde os pais de Rosalva moram desde que se casaram, há 58 anos. Já colheram mais de 100 sacas de feijão numa só safra, no tempo em que a maioria dos 16 filhos que vingaram (os outros dois morreram bebês) cultivava uma área superior a 20 mil metros quadrados – todo esse chão com água e verde, vendido, não compraria um quarto-e-sala em Santos.

O único agricultor remanescente em toda aquela terra é seu Nicodemos, meu sogro (foto ao lado). Setenta anos só de lavoura; de oito a dez horas diárias, a partir das 5 da manhã, não importa o clima, plantando feijão, milho, abóbora, quiabo; limpando mato; catando, carregando e pondo vagens para secar ao sol. Tem a coluna entortada e os pés deformados por queimaduras em brasas, na infância.

Meus sogros são de uma época em que se debulhava o feijão “no cacete”: as vagens eram postas em um terreiro, e se retiravam os grãos a pauladas.

De uns 20 anos para cá, um trator equipado com um debulhador faz, em meia hora, um dia de trabalho a mão de uma família (foto ao lado e vídeo a seguir).


Homens e mulheres levam as vagens ao debulhador, que as separa dos grãos e os despeja em latas. Os grãos que ficam no chão são catados manualmente. As vagens secas são carregadas para um armazém, como reserva para alimentar o gado.

O resultado de tanto trabalho foi um prêmio para quem aproveitou este inverno mais úmido do que o normal.

Sozinho, seu Nicodemos lucrou quase 700 quilos de feijão. Venderá tudo (ou parte) quando o produto estiver valendo bem mais de R$ 150 por saca de 60 quilos – um preço que “estraga o comércio” e é obtido por lavradores apressados que comercializam feijão verde, menos valioso por ser mais difícil de debulhar.

(Continua – quando possível)

2 comentários:

Unknown disse...

Que interessante Rafa, quero ler mais!!!!!!!

Adelma Matos disse...

Vivi tudo isso na minha infância e adolescência, tenho muitas saudades do cheiro da terra e a liberdade do campo. De ver o sol nascer, tomar banho no riacho, comer fruta do pé...ahh que saudade do meu agreste pernambucano!
Lindo texto, beijos Rafael.