segunda-feira, 29 de setembro de 2014

A metropolização abandonada

Estamos em uma região metropolitana, mas não somos metropolitanos. "Ué, mas eu moro em uma cidade, estudo em outra e trabalho numa terceira", você pode contrapor. Mas a marca das eleições para deputado neste ano, a exemplo das anteriores e com raras exceções, é a de cidadãos que se mostram como "o candidato da cidade tal" -- não o da Baixada Santista.

Leia os lambe-lambes nos muros. Os cavaletes que infestam as calçadas. Aquilo que eram árvores e foram transformadas, impiedosamente, em panfletos coloridos com cheiro forte de produto químico. A propaganda de concorrentes regionais não é regional. É municipal. O candidato, sem perceber (será?), reduz a si mesmo por julgar que o bairrismo o levará a São Paulo ou Brasília.

O maior absurdo que vi foi o de um concorrente que, em seu material de campanha, se apresenta como defensor de um grande conjunto habitacional existente em Santos. Dou uma pista aos que me conhecem há muito tempo: morei 20 anos lá. Só ouvi falar nesse cidadão quando ele decidiu entrar na política. Bem-sucedido em nível local (o cidadão), voltei a não ouvir falar mais nele.

Deixar de lado as questões metropolitanas e se restringir a alguns quarteirões de seu reduto eleitoral (isto é, onde pensa que será bem votado) parece uma atitude tomada de propósito por boa parte dos concorrentes. É como se não quisessem mexer no que importa: em nível estadual, cobrar o Palácio dos Bandeirantes pelo que deixa de fazer pela região; em federal, ir atrás da União.

Sobram problemas que exigem solução conjunta na Baixada e demandam união dos prefeitos. De todo o Estado, temos o maior índice de mortalidade infantil; a menor expectativa de vida; o mais baixo nível de escolaridade; o maior déficit habitacional; somos 4% da população de São Paulo, mas não recebemos orçamento estadual para a Saúde na mesma proporção.

Todas essas coisas se percebem na 'hora da verdade'. Quando alguém precisa, dá de cara com um pronto-socorro público lotado. Ou não consegue morar na cidade onde trabalha porque os imóveis são cada vez mais caros. Ou não conquista a vaga de emprego porque não alcançou a qualificação necessária no ensino público. Ou mora longe e depende de transporte coletivo crítico.

E não há um mísero candidato que apareça, para valer, com propostas objetivas para a vida prática: só abstrações. Não me importa o candidato a deputado federal que quer uma auditoria da dívida externa, nem me interessa o postulante a deputado estadual que promete fiscalizar o que o Estado faz com os impostos que pago -- afinal, é uma obrigação que o cargo exige.

O conceito de 'cidadão metropolitano' é um bom exemplo daquilo que existe na prática, mas não na teoria. Isso mesmo: circulamos pela região (a prática), mas quase nunca nos preocupamos em eleger nomes que nos façam pensar na necessidade de entender a Baixada como um todo (a teoria). Nem todas as pessoas têm visão ampla das coisas. Enxergam só o que é evidente.

E, se os candidatos igualmente não veem nada além das evidências, o que têm de diferente de nós? Como vão ajudar a transformar esta gente em moradores não de Santos, de Bertioga ou Cubatão, mas da Baixada? É um discurso que deveria partir de quem, em tese, deveria entender das coisas que precisam ser melhoradas.

O negócio é que, de modo geral, há entre nós aventureiros e amadores cuja preocupação está em tirar proveito da política. Alguns se elegem -- acontece. E ficamos diante de uma metropolização pela qual tanto se lutou desde o fim da década de 1950, virou lei em 1996, mas chega abandonada à maioridade. Uma adulta que não sabe, nem pode, se virar sozinha. Adote-a você também.

Um comentário:

Silvio Bergamini disse...

Rafael,

Compartilhei seu texto com vários grupos ligados ás cidades da região, à Baixada. Esta postura de políticos, de dividir votos, de ser obtuso mostra que os partidos, longe de discutir a Metrópole preferem pedaços de votos, aqui e ali.

São nove cidades, Bertioga, Cubatão, Guarujá, Itanhaém, Mongaguá,São Vicente, Santos, Praia Grande, Peruíbe.

E faltam pautas para cobrir o assunto (já deixando como sugestão). Por exemplo, quanto soma hoje o Fundo Metropolitano? Todos nós moradores e pagadores de impostos de cada uma das cidades paga para a formação dele. E as pautas do CONDESB? E as comissões, ou melhor, Câmaras Temáticas de assuntos prioritários?