São tantas as doenças do século 19 que enfrentamos nestas primeiras décadas do século 21 que a Imprensa mal teve condições de noticiar uma epidemia que se repete a cada temporada de verão: a de casos de dengue, agora ressurgindo com mais gravidade do que em anos anteriores.
É ridículo que uma moléstia erradicada no final da década de 1950 tenha voltado a São Paulo, este centro nacional tão rico e desenvolvido, no final dos anos 1980. E que, em Santos, tenha se disseminado para nunca mais ser controlada a partir da segunda metade da década de 1990.
Santos é um caso à parte, mesmo na Baixada Santista, porque se trata da cidade onde se aplicaram geniais técnicas de engenharia que tornaram um município antes maldito — tanto para quem vivia aqui quanto para os que, com medo de morrer de qualquer coisa, tinham de atracar neste porto — num lugar salubre e extremamente valorizado.
E, nas regiões santistas que mais se valorizaram, estão os maiores focos de concentração do mosquito transmissor da dengue. É nelas onde mais se resiste à visita dos agentes de combate. Ali estão vasos com belas espécies vegetais, mas com água parada no entorno; um belo e aprazível criadouro para o 'Aedes aegypti'. E nesses bairros (Ponta da Praia, Aparecida, Boqueirão, Gonzaga) vive a população de melhor escolaridade, na teoria mais propensa a compreender fenômenos que prejudicam a saúde pública.
Diploma universitário, porém, não dá fim a certos tipos de ignorância.
Uma ignorância justificada com o medo da bandidagem. O medo é proporcional ao patrimônio que se tem a proteger. É, ao mesmo tempo, uma atitude criminosa, pois já se sabe e ficou batido repetir que o mosquito da dengue não conhece limites. Voa, apenas. Não distingue barreiras socioeconômicas. E se espalha por regiões menos assistidas — onde também há ignorância (escolar, inclusive) e descuido.
É necessário admitir que agentes de combate à dengue têm visitado imóveis com certa frequência. Mas, onde conseguem entrar, são lenientes. O morador oferece sua casa para uma vistoria. Em casos como esse, o agente se limita a responder que não é preciso (afinal, deve pensar que, se alguém se dispõe a ter sua casa observada, é porque não tem nada a esconder) e vai embora.
Justamente aí o agente deveria aproveitar a boa vontade da minoria que o atende. Ao fazer bom juízo daquele que lhe abre a porta, é cúmplice de crime contra a saúde pública. Diz o Artigo 267 do Código Penal, de 1940, que “causar epidemia, mediante a propagação de gérmens patogênicos”, pode resultar em dez a 15 anos de cadeia. “Se do fato resulta morte, a pena é aplicada em dobro”.
Se a possibilidade de ser preso por um crime dá medo, é ao medo que se deve apelar. Devem-se comparar os temores: vale mais se proteger de um ladrão ou de ir para a cadeia como se fosse um?
Por falar em bandidos, assim devem se sentir moradores da Zona Noroeste que, nesta Quarta-Feira de Cinzas, foram interpelados por policiais militares no pronto-socorro local. Dizem as autoridades de Saúde que devemos procurar os serviços públicos ao menor sintoma da dengue. O PS tem três médicos e dois saem juntos para almoçar. E chamam a PM para conter as pessoas.
Deveriam é pôr os policiais à cata desses dois irresponsáveis que, obviamente, não dependem da saúde pública para se cuidar.
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