segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Um prêmio escrito com sangue


Ao receber, hoje (25/10) à noite, o Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, pela série de reportagens que fez no jornal 'A Tribuna' sobre a ausência de punição a bandidos e policiais pelos chamados 'Crimes de Maio' de 2006, o colega jornalista Renato Santana ganhará algo que não tem preço: reconhecimento, por revelar a omissão do Estado e a ousadia da bandidagem (a oficial, inclusive) num dos episódios mais sangrentos já ocorridos nesta que dizemos ser a mais desenvolvida unidade da Federação brasileira.

No mês de maio de quatro anos atrás, 564 pessoas foram mortas em São Paulo -- 60 delas na Baixada Santista -- em ações criminosas e revides policiais em meio aos ataques perpetrados pela facção Primeiro Comando da Capital (PCC), cuja existência chegou a ser negada publicamente, anos antes, pela Polícia Civil.

Neste 2010, até agora, não houve nada comparável ao medo que se produziu nas pessoas naquela época, em que o comércio baixou as portas e pessoas se trancaram em casa e em seus escritórios, com medo do que pudesse acontecer. Foram dois ataques em dois meses, maio e julho. Mesmo quem não acompanhava o noticiário a todo instante tinha noção do poder paralelo (se não o verdadeiro, naquele instante) representado pelo PCC.

Uma demonstração do terror que tomou conta das pessoas veio de casa. Em 15 de maio de 2006, em meu quarto dia de trabalho em 'A Tribuna', praticamente toda a equipe de reportagem foi mobilizada para acompanhar os desdobramentos das ocorrências da sexta-feira anterior, 12. Quase em meu horário de ir embora, surgiu a notícia de que o então comandante da Polícia Militar na Baixada, Orlando Eduardo Geraldi, daria uma entrevista coletiva na sede da corporação, no Canal 6, na Ponta da Praia. Eu me ofereci para ir. No caminho, liguei para casa e avisei minha mulher de que iria demorar um pouco mais porque estava indo para a PM.

Nunca ouvi minha esposa tão desesperada comigo. "Você tá louco? Não, você não vai!". No fim, é claro que fui: às vezes, é uma exigência da profissão ir a lugares onde ninguém quer estar nos momentos de 'fogo cruzado'. Mas o nervosismo que senti por parte dela ao telefone mostrava o quanto as pessoas percebiam que, numa situação como aquela, o último lugar em que se estaria seguro era, justamente, a casa daqueles que deveriam combater a bandidagem.

Deveriam, porque, em diversos casos sobre os quais ainda há suspeitas de execução sumária de inocentes, policiais agiram como assassinos. Se tinham preparo, jogaram-no fora. O medo ou o desejo de justiça por contra própria talvez tenham deixado os dedos mais ágeis na hora de disparar o gatilho. Nada justificável, quando se trata de gente, não importa onde more e de quem seja vizinho. Isso não é crime: é, de certo modo, resultado da ausência do Governo.

Hoje à noite, no Teatro da Universidade Católica de São Paulo (Tuca), o Renato e suas reportagens irão incorporar todas essas coisas.

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