segunda-feira, 29 de novembro de 2010

A penúltima reserva

Os investidores do mercado imobiliário abriram os olhos para o Paquetá, como diz hoje o jornal 'A Tribuna'. Residência de famílias abastadas até a década de 1940, essa região de Santos se transformou num imenso e degradado cortiço, hoje em dia mais lembrado pelo cemitério que adotou o nome do bairro.

Pois agora, pouco depois de a Prefeitura ter anunciado um programa social denominado Alegra Centro Habitação -- para recuperação, aluguel e revenda de velhas casas na área central da cidade --, eis que o Paquetá está sob risco de supervalorização. E consequente expulsão de pobres e miseráveis.

Não haveria por que reclamar da modernização do Paquetá, se não fosse pela repetição de um 'filme': o encarecimento dos terrenos santistas, que certamente colaborou para termos perdido 10 mil habitantes em uma década. É como se, em cada dia da última década, três pessoas (ou seja, uma família, conforme o padrão que vai se desenhando hoje) tivessem ido embora de Santos.

A reportagem menciona -- e fez muito bem em lembrar -- que "muitas famílias que estão ali têm uma realidade particular. Vivem de subempregos e preferem os cortiços porque estão próximas às suas fontes de renda na economia informal".

Fez bem porque, como já afirmaram inúmeras vezes especialistas em urbanismo, quanto mais longe o trabalhador vive de seu endereço comercial, mais tem de se deslocar. Incorpora-se, a pé, de bicicleta, ônibus, moto ou carro, ao trânsito crescentemente saturado nas entradas e saídas da Baixada Santista.

Mas, antes de meios para o deslocamento, essas pessoas que deixarem os cortiços precisarão de moradia. E, como de costume, o Poder Público não conversa como deveria com o empresariado, a fim de reservar determinadas áreas de Santos para o interesse público. É a penúltima chance da Cidade.

A última está nos cantos mais distantes da Zona Noroeste, onde se concentra a maioria das favelas do município. Nem mesmo ali dá para aplicar o federal Minha Casa, Minha Vida (financiam-se imóveis com valor máximo de R$ 130 mil, algo impraticável em Santos). Se o Governo demorar mais, São Vicente e adjacências que se preparem. E não adiantará se queixar depois.

Um comentário:

José Marques Carriço disse...

Rafael,
Como vimos alertando, a estratégia do Alegra Habitação, ao invés de fixar famílias residentes pode expulsá-las via supervalorização dos imóveis. Isto pode acontecer em função das notificações já feitas pela Prefeitura, que podem ter efeito oposto ao anunciado. Ou seja, proprietários de imóveis que não são protegidos pelo Condepasa ou não relacionados pelo Alegra Habitação podem ser impelidos a negociá-los com empreendedores imobiliários, que ao que tudo indica voltam a atenção para o bairro.
Diga-se de passagem, este processo não era previsto pela Prefeitura, que antes era favorável ao uso retroportuário do bairro.
Mas o projeto da Tribuna vai criar um clima para esta gentrificação.
Vamos ver se a Prefeitura vai ter firmeza e impedir o desvirtuamento do programa. tenho dúvidas...
Aproveito para alertar para a sobrecarga do sistema viário do bairro em função do elevado número de vagas de estacionamento do projeto da Tribuna. Se tivéssemos uma lei de impacto de vizinhança séria, este projeto jamais seria aprovado sem oferecer solução para tamanho impacto no transito local.