sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

2 + 2 = crime

Tem tudo para ganhar repercussão nacional o 'furo' do repórter e colega de trabalho Eduardo Velozo Fuccia, na edição de hoje do jornal 'A Tribuna': um professor de uma escola estadual de Santos deu aos alunos problemas de Matemática que continham, nas questões, referências a crimes como tráfico de drogas, prostituição e receptação de carros roubados.

Houve alunos que não responderam às perguntas: levaram o teste para os pais que, é claro, reclamaram com a direção do colégio. O professor, que há cinco anos atua de forma efetiva na escola, foi afastado ontem.

Noventa e nove em cada cem pessoas que leram a reportagem devem ter reagido desta forma: "Como pode um professor fazer apologia ao crime? Onde vamos parar? É o fim do mundo".

Sinceramente, não vejo nenhuma tentativa de exaltar o crime nem de glorificar criminosos em perguntas como: "Zaroio tem um fuzil AK-47 com carregador de 80 balas. Em cada rajada ele gasta 13 balas. Quantas rajadas poderá disparar?".

A escola em questão é a João Octávio dos Santos, no Morro do São Bento. Trata-se de um dos morros mais violentos e perigosos da cidade, onde, vez por outra, são presos traficantes, procurados pela Justiça, há confrontos com a polícia. Com muita frequência, morre gente. Tudo isso apesar de a grande maioria de seus moradores ser honesta e trabalhadora, pois subir e descer morro todo dia para viver não é para qualquer um.

Se o professor está ali há cinco anos e jamais fora denunciado por algo do tipo, é provável que, agora, a situação no São Bento esteja tão insuportável que o jeito tenha sido denunciá-la em problemas matemáticos. Ora, isso chamaria a atenção de alguém mais atento. De um aluno indignado. De pais preocupados com os filhos.

Outra hipótese, na qual não acredito, é que bandidos do São Bento tenham forçado o professor a aplicar esse conteúdo condenável em sala de aula. O que também seria algo grave demais para passar batido pelas autoridades -- as de Segurança Pública e as de Educação, pois há quem tenha se iniciado no crime por lhe faltarem chances decentes de fazer outra coisa na vida.

Vamos agir de cabeça fria.

6 comentários:

Ricardo Santana disse...

Bom dia Rafael,

Não li a matéria do Eduardo, a princípio não vejo nada de assustador no que o prof. vinha fazendo. É importante saber com qual intenção o prof. vinha aplicando este tipo de conteudo aos alunos. Não sei, de longe o que eu posso dizer é isto. Vou ler a matéria e depois volto a comentar.

mário jorge disse...

A questão é polêmica, como se pode perceber nos comentários postados no Papo com o Editor, de A Tribuna. O professor não é um profissional inexperiente e já atua nessa escola há cinco anos. Entre os possíveis argumentos a favor da gramática em debate está o de chamar a atenção a uma matéria nem sempre agradável à maioria dos alunos, seja em que escola for. O método empregado, porém, é que está na berlinda.
Então, vale aprofundar o tema. Quais eram os objetivos do docente com o tal método? Há quanto tempo faz isso? Como, após as questões formuladas, trabalha os conceitos fornecidos aos estudantes? É fundamental que o professor seja ouvido e dê sua versão dos fatos. Do ponto de vista jornalístico, o assunto é interessante e tem o condão de tratar de uma realidade que está aí. Fechar os olhos só piora o problema. Precisa, sim, de uma discussão mais enfática, com especialistas na área, psicólogos, autoridades. A reportagem tem esse mérito: sem condenar o protagonista do fato, trazer à tona uma discussão mais ampla. Sem fazer comparações, longe disso, mas num outro contexto, Paulo Freire também adotou as realidades específicas como processo de didática. Ou seja, pregou o cotidiano similar para difundir conhecimentos.
No caso específico de Santos, são exemplos vinculados ao crime que chamam a atenção. É bom lembrar que estamos em uma sociedade assustada com o fenômeno da violência, daí as repercussões.
A questão está posta.

Nando disse...

Num outro contexto não, Mário, isso é Paulo Freire na essência. Obviamente, o professor (bem intencionado ou não) vai pagar a conta do tráfico, da prostituição, do abandono do São Bento e outras comunidades pobres da Cidade por parte do Estado. Mas já foi útil chamando a atenção para aquela realidade.

nilson regalado disse...

Sai de cima do muro, Mário Jorge, o que esse cara cometeu foi um crime! Crime de preconceito ao imaginar que estudantes do morro só entenderiam "o problema" se o assunto abordado fosse arma, droga ou prostituição. Dei aula em escolas públicas (e pobres) de três estados desta Nação e sempre atingi os objetivos sem precisar baixar o nível, mantendo, sempre, uma interação fantástica com os jovens. Talvez eu esteja velho, mas sou do tempo em que professor se dava ao respeito e aluno levava rosas para a professora às segundas-feiras, dia em que éramos "obrigados" a cantar o hino nacional antes da aula...pobres tempos modernos!!!!!!!

Bruno Guedes disse...

Concordo com o Nilson.
Se a intenção do professor foi utilizar Paulo Freire, então ele parte do pressuposto de que a realidade de todos naquela escola é a mesma: tráfico, armas, prostituição. Pobre é necessariamente traficante, bandido, prostituta? Podem até conviver perto do crime, mas não necessariamente compartilham a realidade exposta nos problemas de matemática. Foi um despropósito. Quem leu os "problemas" de matemática vai ver que ele passou do limite.

Renato disse...

Bom, se a intenção do professor foi utilizar o método Paulo Freire, optou apenas pela tendência de deixar os alunos mais burros - que é o que vem acontecendo desde que se adotou os métodos Freire, Piajet, Vygotski etc (bem sei que os ditos "educadores", por nunca terem se educado, não gostam de ver seus ídolos criticados, mas, se sinceros fossem, admitiriam que a culpa do caos na educação é deles, digo, professores estúpidos que insistem nos métodos modernos que só produzem burrice - e basta recorrer-se às estatísticas para tal conclusão.

No caso específico, como se perdeu no Brasil o senso das proporções, sendo preciso um esforço hercúleo para separar o moral do imoral, o lícito do ilícito e a verdade da mentira, aceita-se que um sujeito usurpe um título de professor para trazer a favela para dentro da escola. Não, a escola deveria servir como uma ponte da favela para a civilização, mas, também os modernos educadores (que nunca se educaram, é preciso dizer!), acham que devemos adotar a cultura da favela, das periferias, jogando na lata do lixo toda a civilização que, a duras penas, foi conquistada.

Em suma, tudo isso lembra Voltaire, comentando o Discurso da Desigualdade de Rousseau: "Jamais se empregou tanta vontade em querer nos tornar animais. Sente-se ganas de andar com quatro patas quando se lê vossa obra."