quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Ter opção é para quem pode

Basta ler os classificados dos jornais para saber que o preço médio dos imóveis mais do que dobrou, em Santos, nos últimos cinco anos. Compare isso aos seus contracheques, no mesmo período. Nem de longe, seu salário subiu na mesma proporção.

Sugiro outra operação matemática: entre setembro de 2010 e setembro deste ano, a Baixada Santista teve gerados 4.081 empregos, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho e Emprego. Só em Santos, foram 3.371 vagas, ou oito em cada dez, na região.

Veja também que, entre 2000 e 2010, a população da Baixada aumentou 12,61%. A de Santos, 0,42%. E a de Praia Grande? Cresceu 34,71%. Em termos absolutos, a santista ganhou 1.774 pessoas; a praia-grandense, 67.187, quantidade superior à de habitantes em Peruíbe (59.793 em 2010).

Se Santos é o município onde está a grande maioria dos empregos e onde surgem quase todas as oportunidades de trabalho, por que, em sã consciência, tanta gente moraria longe de tudo (emprego, estudo, lazer, parentes) para se mudar a Praia Grande, a nova 'meca' da construção civil regional?

Responde o prefeito de Santos, João Paulo Tavares Papa (PMDB), em entrevista ao colega Leonardo Costas, publicada hoje (quarta-feira, 19/10) em 'A Tribuna':

"As pessoas podem, de fato, escolher comprar um imóvel de menor custo na Praia Grande, São Vicente ou Guarujá. (...) A cidade polo se desenvolve e, com isso, os municípios de seu entorno também crescem e geram empregos".

Atente para o verbo "escolher". Ora, quem trabalha em Santos mas não consegue mais pagar aluguel na cidade, devido à valorização imobiliária, não escolhe se mudar: é forçado a isso.

O mesmo ocorre com quem tem casa própria. Digamos que um casal more, há cinco anos, num apartamento de um quarto adquirido por R$ 60 mil. E que, hoje, esse imóvel valha R$ 120 mil. O casal tem um filho; precisa de outro quarto. Porém, um apartamento de dois quartos, encontrado por R$ 90 mil, agora custa R$ 180 mil. Ou seja, o imóvel maior, que antes custava R$ 30 mil a mais, hoje é vendido por preço R$ 60 mil mais alto. Mas o salário do casal não dobrou, e ele não consegue financiamento no novo patamar. Vai embora.

Entretanto, para o prefeito, "acho preconceituosa essa frase de que se estão expulsando as pessoas para Praia Grande. Lá, que eu saiba, é um local organizado, que tem prefeitura, serviços públicos, qualidade de vida é de frente para o mar".

O que faria Papa se a população de Santos tivesse crescido 34,71% em dez anos? É como se, numa década, 145 mil pessoas "escolhessem" a cidade para morar.

Não há especialista em desenvolvimento urbano -- e isso inclui saúde, educação, segurança, moradia, transporte coletivo, pavimentação, lazer, cultura, esporte, política para geração de empregos -- capaz de resolver adequadamente um problema desses.

Essa explosão demográfica, contudo, jamais ocorreria em Santos. O tamanho da área insular (39,4 km²) é limitadíssimo. Além do mais, conforme o prefeito, "as pessoas querem morar aqui e, quando a procura é maior que a demanda, o preço sobe. E não há como imaginar que o Plano Diretor (lei que estabelece metas de desenvolvimento social e econômico numa cidade) possa criar instrumentos que interfiram radicalmente na relação de mercado".

Admitindo-se que essa resignação decorresse de um fato (pois não é, visto que a Prefeitura tem poder de determinar o que e onde se pode construir), voltemos à geração de empregos. Que tipo de postos de trabalho foram criados na cidade?

"Não há como ter certeza, mas é bem provável que o grande volume de vagas neste setor tenha sido gerado pelo call center", considera, também na edição de hoje de 'A Tribuna', o economista Jorge Manuel de Souza Ferreira, do Núcleo de Pesquisas e Estudos Socioeconômicos (Nese) da Universidade Santa Cecília (Unisanta).

Na mosca. Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, o cargo para o qual houve mais contratações em Santos, em agosto deste ano (o dado mais recente), foi o de operador de telemarketing receptivo: chamaram-se 1.007 pessoas para essa ocupação só naquele mês. Salário médio de admissão: R$ 554,23, pouco mais de um salário mínimo nacional (R$ 545,00).

Das dez ocupações nas quais mais se contratou gente em Santos, a mais bem remunerada é a de motorista de caminhão: R$ 1.240,98. Cinco anos antes, em agosto de 2006, o salário médio era de R$ 814,78. Aumento de 52,3%, ou metade da valorização imobiliária média no território santista.

Na mesma situação, o que você "escolheria"? 

Um comentário:

César disse...

É balela a história do prefeito de que a Cidade não pode criar instrumentos para interferir na relação do mercado. Na Praia da Enseada, em Guarujá, por muito tempo, foi proibido prédio com mais de cinco andares. Para agraciar a construção civil, faz alguns anos autorizaram erguer prédios maiores. Em Santos, se o prefeito tivesse preocupado com a qualidade de vida dos santistas, poderia ter criado uma linha ou duas na lei, estipulando a altura máxima dos prédios. Se ouvisse a voz do povo, esses prédios não passariam de 20 andares. Pode ter certeza de que muitas construtoras perderiam o interesse em adquirir terrenos e a qualidade de vida dos santistas não seria tão afetada...