segunda-feira, 17 de junho de 2013

Ordem e progresso

Está certo, uma coisa de cada vez. Neste momento, a maioria dos protestos país afora é por melhor qualidade e menor preço no transporte coletivo. Mas depois, diante da reação das forças de segurança aos atos realizados na capital paulista, será preciso discutir seriamente uma profunda reforma nos procedimentos de uma corporação viciada -- ou o fim dela como a conhecemos: a Polícia Militar.

Em 20 anos de trabalho (12 deles como jornalista formado), conheci vários comandantes da PM aqui na Baixada Santista. A não ser que tivessem me enganado, a maioria parecia ser gente equilibrada e pacífica. E é isso que destoa dos resultados: a polícia tem matado muito, em especial a partir de 2006, quando o PCC mostrou as garras e a reação policial vem atingindo, também, inocentes.

O atual secretário estadual de Segurança, Fernando Grella Vieira, é outro homem aparentemente tranquilo. Conversei com ele duas vezes, a última na quinta-feira passada (13). Não parece um "secretário de Segurança" nos moldes tradicionais. Comparado ao antecessor, Antonio Ferreira Pinto, Vieira é quase um monge.

Só que a alma da PM das ruas não muda. É truculenta e racista. Não admite questionamentos. Atira primeiro e nem sempre pergunta depois. Não aguenta nem sequer um protesto pacífico (isso em São Paulo; em Santos, até agora, vai bem nesse quesito), por achar que é "provocação" e deve ser respondida. O pessoal tem de andar de casa para o trabalho e vice-versa. Ordem e progresso.

Até 1970, a Polícia Militar era chamada Força Pública. Mas herdou dessa corporação 18 "estrelas", cada uma delas representante de um marco histórico, gravadas em seu brasão de armas. A última estrela data de 1964 --foi a participação da Força no apoio ao Golpe de 1964, do qual muitos têm se lembrado agora porque era mais ou menos este o clima de manifestações no país um ano antes.

E o que quer dizer esse "militar" na denominação da PM? Num dicionário, o Michaelis, estes são os três primeiros significados: "Que diz respeito à guerra, à milícia, às tropas"; "Que se baseia na força militar ou nos costumes militares"; "Determinado pelas leis da guerra". No item 4, fala-se em ter "como função específica a defesa da Pátria". Mas, no Brasil, os três primeiros distorcem o quarto.

Essas raízes do mais recente "marco histórico" da PM são reforçadas por declarações infelizes de seu maior comandante, o governador Geraldo Alckmin (PSDB). Uma delas, após uma ação com mortes de suspeitos, foi a de que "quem não reagiu está vivo". Isso equivale a uma carta branca para atirar e matar, com a garantia de proteção oficial aos que, "no cumprimento do dever", cometeram um crime.

Se os bandidos respeitassem a "força militar" da PM, viveríamos, talvez, num paraíso sem assaltos, latrocínios, roubos, estupros, tráfico de drogas. Nem de longe é o que acontece.

Em 1998, ouvi uma notícia segundo a qual, no Japão, a polícia local havia matado um suspeito. Era um brasileiro, atingido com um tiro em uma perna (ou seja, tentava-se impedir a fuga, apenas), mas que morreu porque o ferimento gangrenou. Foi a primeira morte por parte da polícia japonesa em 25 anos.

Antes que me perguntem se eu não quero polícia, respondo que desejo, sim. E cada vez mais, pois, na Baixada, o efetivo está defasado na comparação com o número crescente de habitantes e os índices de criminalidade. Mas é preciso ter uma polícia na qual se confie e da qual só tenha medo quem é bandido. Que respeite o direito constitucional à livre manifestação pacífica.

Como fez a polícia de Minas Gerais bem recentemente. Por causa de futebol, a Justiça mineira proibiu atos que fechassem o trânsito em todas as cidades desse Estado. Com base na Constituição, que está acima dos juízes, a polícia não impediu que cidadãos protestassem em Belo Horizonte. Isso é ordem. Isso é progresso.

Um comentário:

Nando disse...

A reação policial em SP e no Rio evidencia algo sobre o qual já conversamos: a ditadura jamais acabou. A democracia verde-amarela existe desde que você suporte tudo calado e vá votar nos mesmos candidatos a cada 2 anos. Se reclamar, bala de borracha, gás lacrimogêneo, spray de pimenta, cacetada.
Só não sei se o fim da PM melhoraria alguma coisa. Como outras instituições, ela é reflexo da sociedade. Ela serve a uma ideologia estatal. E me preocupa a possibilidade do Estado criar um braço repressor ainda pior.