sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Plano Diretor: uma dose de realidade cairia bem

Um surto de lógica ou uma força sobrenatural? Talvez só esses elementos pudessem trazer para a realidade os que planejam o "desenvolvimento" e a "qualidade de vida" de Santos -- que, com cada vez mais força, expulsa os "pobres" e "fracassados" de seu território.

Apesar de ser um afortunado, pois tenho casa própria desde antes do "boom" imobiliário que acabou de vez com qualquer possibilidade de habitação popular nesta terra, estou entre aqueles que não poderiam continuar por aqui se ainda vivesse de aluguel.

Digo isso porque está em discussão um novo Plano Diretor para o município. Esse documento é uma norma para estabelecer de que maneira o governo pretende desenvolver a cidade em termos sociais e econômicos.

O Plano se junta a outro, que será revisado em 2014: a Lei de Uso e Ocupação do Solo, destinada a definir em quais áreas se pode construir o quê. Na prática, indica em que ruas e avenidas podem ficar determinadas residências, atividades comerciais, indústrias.

Mas, falando apenas do Plano Diretor, volto aos "pobres" e "fracassados". Como se lê hoje (8) no jornal "A Tribuna", a Prefeitura pretende estimular a criação de "áreas de Habitação de Mercado Popular", de preferência perto dos corredores de transporte coletivo.

O objetivo disso é claro: aproximar as pessoas dos locais onde se oferece condução para o trabalho. Ótimo. Ideal. Porém, o que é o "mercado popular", na visão oficial? "(...) Pessoas com faixa de renda entre 7,5 e dez salários mínimos", como descreve o jornal, baseado no entendimento da Prefeitura.

Traduzindo, essa faixa varia de R$ 5.085 a R$ 6.780. Quantos, entre os 420 mil moradores de Santos, ganham salários desse nível? Revelo, sem vergonha (e sem trocadilho, por favor), que, mesmo juntando meus empregos e o de minha mulher, não ganhamos o mínimo dessa faixa.

Contudo, segundo o secretário municipal de Desenvolvimento Urbano, Nelson Gonçalves de Lima Junior, "o condomínio clube é o sonho de todo santista (...). Queremos (...) oferecer acesso a um produto para essa faixa salarial (mais baixa), mas que também atraia o empresário".

O Censo do IBGE de 2010 não mostra quantos ganham a partir de 7,5 salários mínimos na cidade. Porém, em 40.122 domicílios dos 144.587 registrados naquele ano, a renda familiar era de 5 a 10 mínimos. Chutando que em metade deles fosse de 7,5 a 10 mínimos, trata-se de 20 mil domicílios.

Essas contas todas servem para mostrar que, se em 20 mil domicílios de Santos ganha-se de 7,5 a 10 mínimos, a prefeitura está pensando em aplicar para "todo santista" um padrão de "Habitação de Mercado Popular" que só serve para 14% da população.

Sim, a Prefeitura também pensa em "Habitação de Interesse Social" para "famílias de baixa renda" no entorno do Mercado Municipal e no Centro da cidade. "A área central tem um potencial muito grande, pois possui uma estrutura pronta e é um lugar em que esse tipo de habitação cai muito bem".

Se você puder, veja a agenda de audiências públicas (a primeira delas hoje, dia 8, no Centro) para a discussão do novo Plano Diretor e vá até lá. Trabalhando, não poderei ir. Não poderei dizer pessoalmente aos representantes do governo que meu sonho não é um condomínio clube.

A propósito: os vencimentos dos secretários municipais de Santos são de R$ 15 mil brutos -- correspondentes a 22,12 salários mínimos. Os do prefeito, de R$ 18 mil (26,55 mínimos).

Locais e horários das reuniões: http://www.santos.sp.gov.br/noticia/264915/audi-ncias-p-blicas-para-revis-o-do-plano-diretor-come-am-na-sexta-feira

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