quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Os semelhantes que ninguém quer

(Texto publicado hoje, 10/12, na seção 'Papo com os Editores', do jornal 'A Tribuna', de Santos, SP)

Não há motivo para perder tempo com o óbvio: um organismo da Prefeitura de Suzano ordenou que oito sem-teto fossem enviados para fora dessa cidade. Se pediram para desembarcar em Santos, era porque, de algum modo, estavam sendo forçados a sair do lugar aonde tinham ido por razões que só a eles interessam. Nisso se resume o direito constitucional de ir e vir. Puna-se quem o fere.

O que se deve discutir mais profundamente é por que nos incomodamos mais com o aspecto visual da miséria do que com os efeitos causados por ela na vida de pessoas que ninguém quer por perto. Não se pretende que Santos, nem nenhuma outra cidade, seja um oásis para desabrigados. Mas, se esta é a Terra da Caridade e da Liberdade, nada justifica que não se ajudem moradores de rua.

Santos, que sempre recebeu gente desabrigada, poderia ampliar seu serviço de busca e acolhimento a pessoas nessas condições. Já se sabe que três quartos delas não são santistas. De onde vêm? Por que vieram? O que pretendem? Desejam voltar? Se não, como poderiam se fixar aqui dignamente?

Mais ainda: o Município bem que poderia dar o ponto de partida para um trabalho de dimensão nacional, ao contatar as prefeituras dos locais de origem dos sem-teto que recebe e levar essas informações para as esferas estadual e federal.

A finalidade prática disso poderia ser o desenvolvimento de ações para garantia de instrução escolar, qualificação profissional, alocação em moradias populares. Tudo para pôr em prática o Decreto 7.053, federal, que estabelece a Política Nacional para a População em Situação de Rua.

Utopia? Pode ser. Queremos miseráveis por perto? Não. Mas que não seja por razões estéticas, e sim, pelo desejo de que também desfrutem de bem-estar. Há pessoas que não querem nada com a vida em qualquer classe social. Não façamos dos desvalidos os semelhantes que ninguém quer.

Nenhum comentário: