quarta-feira, 17 de março de 2010

Nós e os outros

Encontrei o texto a seguir na Internet. É do falecido jornalista Cláudio Abramo e foi incluído num livro de sua autoria, chamado 'A Regra do Jogo — O Jornalismo e a Ética do Marceneiro'.

O que vocês (jornalistas ou não) acham disto? Nascido em 1923, Abramo morreu em 1987.

"Uma grande tragédia do jornalismo brasileiro é o papel extremamente grave que desempenham alguns jornalistas irresponsáveis, em nome de uma independência ilusória, que eles não têm. Esses jornalistas pesam muito porque veiculam coisas sem verificar, mentem, fazem afirmações absolutamente gratuitas. E isso é muito grave num país como o Brasil, em que os jornais não têm meios de aferir imediatamente se aquilo que está sendo publicado é verdade ou não; freqiientemente, não se dão a esse trabalho. Assim, transformam-se em cúmplices desses jornalistas. Os jornalistas irresponsáveis – que são muitos, no Brasil, e em grande parte estimulados por alguns jornais – são hoje responsáveis por uma grande parte da desfiguração das noções sobre o mundo contemporâneo. Eles são responsáveis pela falsificação da realidade, colaboram com isso. São como as novelas de TV, que harmonizam todos os conflitos.

É muito nefasta a influência desses jornalistas, que de outra forma traba1havam bem – alguns até trabalharam comigo e não se permitiam certas coisas. Se mandassem uma matéria com algum tipo de irresponsabilidade, eu logo dizia: “Olha aqui, ô vigarista, você está pensando o quê? Vai escrever isso no país em que você mora, não no meu jornal”. Eu não permitiria coisas como li um dia na matéria de um correspondente, que escreveu que um banqueiro não identificado 1he teria dito que o Brasil deveria vender a Petrobrás. O jornal não deve publicar uma coisa séria como essa, a não ser que se dê o nome do banqueiro. Sem o nome, a informação não tem valor algum, ainda mais que a opinião é, na verdade, de quem escreve. No momento em que o jornal aceita isso, transmite aos repórteres a mensagem de que eles podem fazer o que quiserem.

O duro é que a irresponsabilidade está passando para a sociedade. Caso se pare o carro numa esquina à procura de uma rua, o sujeito que está atrás já mete a mão na buzina – isto é, todo mundo cobra do seu semelhante, em vez de cobrar do sistema e do regime. É o sistema capitalista que provoca as injustiças, as inadequações, as desigualdades, mas ninguém cobra do sistema e sim do seu semelhante. É a redução clara do nível de combate: o que deveria ser um combate coletivo transforma-se em pequenas refregas individuais. E uma culpa muito grande quanto a isso cabe aos jornalistas irresponsáveis".

3 comentários:

Unknown disse...

Tive a oportunidade de ler o livro A Regra do Jogo, emprestado pelo nosso glorioso colega de redação César Miranda. É uma aula de jornalismo das melhores mesmo. Post bem apropriado, como sempre. Abraços

Andrea Rifer disse...

Se tem uma coisa que dificilmente assistimos hj é um combate coletivo. Isso, claro, é reflexo do pensamento pequeno, limitado, diria pífio, do cidadão. E, infelizmente, como jornalitas, contribuímos e muito com isso. Seja pq nos adequamos ao sistema, seja pq, de vez em qdo, perdemos a esperança. Por isso, nossa vigilância deve ser permanente para não perdermos a capacidade de indignação.

César Miranda disse...

Esse livro tem um dos melhores prefácios que li até hoje. É do Mino Carta. Uma tomografia onde é possível enxergar parte d'alma do Abramo.

Excelente leitura para reciclar as ideias. Empresto mediante depósito em minha conta corrente literária.
Abreijos.