quarta-feira, 28 de abril de 2010

Contra os moinhos de vento

Eu sei: quem vem a este blog dificilmente encontra assuntos que escapem ao jornalismo. Talvez porque, no fundo, goste disso (há adeptos do masoquismo em toda parte). E o tema de hoje é o espanto diante da repercussão dos temas que nós repórteres consideramos relevantes e daqueles que os leitores comentam.

Antes, umas considerações. Sempre se disse aos aspirantes à reportagem que escrevemos para os leitores e internautas, falamos aos ouvintes, exibimos nossos rostos aos telespectadores. E que é preciso mostrar ao leitor o que ele precisa saber. Mas nem sempre o leitor quer saber do que dizemos a ele, mesmo quando julgamos necessário.

Não se trata de concluir quem está certo ou errado. É difícil. Mas, em determinados casos, essa diferença entre o que redigimos e o que o leitor quer ler (até para não se aborrecer tanto com a realidade; esse pode ser um motivo para o que vou dizer agora) mostra algo que nunca sabemos: quem são aqueles para os quais estamos escrevendo.

Dá para tomar como base os leitores que se manifestam sobre o conteúdo do jornal. Em ‘A Tribuna’, onde trabalho há quase quatro anos, está sendo publicada uma série de cinco reportagens do colega Renato Santana. Tratam das mortes de civis, pela polícia, durante os ataques atribuídos ao Primeiro Comando da Capital (PCC) em maio de 2006.

As matérias têm sido manchete do jornal todos os dias, desde domingo (25/4). Houve repercussão em parte da classe política, sobretudo entre opositores do Governo Estadual. Mas, e os leitores? Como se manifestam diante do assunto?

Do que nós repórteres tivemos conhecimento, desde então, foi de parcas manifestações de leitores elogiando outras matérias. Não desimportantes, porém, amenas. Parabéns pelo texto sobre resultados de pesquisas arqueológicas no Valongo. Vivas aos saudosos tempos do antigo Matadouro, na Zona Noroeste santista, relatado no jornal.

O único telefonema de que se sabe sobre os textos do Renato veio logo no domingo. Era uma leitora que dizia mais ou menos assim: “É uma inversão de valores! Eles morreram porque tinham que morrer. Agora o jornal fica dando espaço para bandido?”. Bandidos, vírgula: as matérias mostram que a grande maioria dos mortos não tinha ficha policial.

Vejo que não é para menos eu ter escrito, certo dia, que “o santista é um reacionário medíocre” (clique aqui para ler).

Fazer jornalismo isento e sério nesta região é uma missão quixotesca.

6 comentários:

Sandro Thadeu disse...

Rafael, estive pensando a mesma coisa nesses últimos dias. Curiosamente, acessei o blog na manhã de hoje e me deparei com o texto sobre este assunto.
Realmente, é muito desanimador publicar uma matéria crítica sobre temas de interesse público, como educação, saúde e direitos humanos, e notar que a reportagem parece uma voz no meio do deserto.
Fico indignado quando ouço de alguns cidadãos que o jornalismo local deveria ressaltar os aspectos positivos da região.
A recomendação dos EUA para os turistas não viajarem à Baixada Santista por conta da violência foi a morte para muitos filhos desta terra.
Fico me perguntando se o motivo desse documento fosse a epidemia de dengue. Qual seria a reação das autoridades e dessas pessoas que pregam somente assuntos positivos? Para a reflexão...
Infelizmente, esse saudosismo local em excesso atrapalha demais a compreensão da realidade.

Flávia Saad disse...

Rafael
admiro muito suas opiniões e textos. Concordo com você e com o Sandro, porque a luta "quixotesca" que travamos todos os dias não é piada e não acontece só com um ou outro jornalista.
Algumas pautas nos parecem desimportantes e sentimos revolta ao notar que as matérias resultantes são exaltadas e elogiadas. Mas acho que precisamos lembrar do motivo: é que ali está o nosso esforço incansável para transformar o banal em extraordinário.
Ao invés de me chatear com essa situação que você descreveu - como já aconteceu várias vezes comigo -, agora tento acreditar que, para alguém, em algum lugar, aquele trabalho que eu fiz ganhou importância. Prefiro crer que algumas das minhas linhas mudaram, pelo menos, uma vida.
E, no fundo, não é isso que todos nós, jornalistas, queremos quando escolhemos essa profissão?

grande beijo e parabéns!!!

Cidinha disse...

Considerei de extrema relevância a série de reportagens do jornalista Renato Santana. As matérias não deixam perguntas sem respostas e dão espaço, principalmente, para as mães que denunciam a morte de seus filhos. Mães de filhos pobres, muitos negros. A sociedade santista precisa acordar. Será que a indignação e movimentação vem somente quando se é vítima da violência?
Parabéns Renato, parabéns Rafael, pela reflexão.
Abraço,
Cidinha Santos

Andrea Rifer disse...

Uma vez comentei (e escrevi) que as melhores histórias que escrevemos são as que mudam a história. Ainda tenho fé que esse esforço do Renato pode mudar (para melhor) alguma coisa. E aí, se isso se concretizar, não fará nenhuma diferença a reação dos santistas reacionários ou daqueles que insistem em dizer que isso aqui é a ilha da fantasia, apesar de escrevermos para leitores.
Ou melhor, fará diferença sim: continuaremos alimentando a certeza de que nosso trabalho pode sim colaborar com uma sociedade mais justa para todos, inclusive para eles (leitores que não sabem ou não querem ler o que precisam saber).

Nando disse...

Rafa Quixote, os santistas são moinhos de ventos reais. Vá à luta, o Sandrão pode ser o teu Sancho Pança...

nilson disse...

Meus caros, nesta semana, em passagem pelo Brasil, Carl Bernstein (do caso Watergate, que derrubou o ex-presidente norte-americano Richard Nixon) definiu com clareza essa situação. Ora, disse Bernstein, o compromisso do jornalista é com o interesse público, não com questões comerciais (publicidade ou venda em banca) nem com ideologias. Portanto, façamos o que precisa ser feito, digamos o que precisa ser dito e ponto!!!!! Às favas a opinião de um bando de babacas que não conseguem compreender a importância do que está sendo dito, que mal conseguem entender o que está escrito...O mestre (e doutor) Dirceu Fernandes Lopes me disse certa vez, na aurora da minha jornada como jornalista, que "jornalismo não é concurso de miss simpatia". Então, deixemos de lado as inseguranças e continuemos no firme propósito de despertar o senso crítico naqueles leitores que realmente valem a pena. Mesmo porque, como dizia minha avó, de nada adianta distribuir pérolas aos porcos... Perder tempo com esses boçais é gastar vela com mau defunto!!!!